top of page

Revisitar Sarah Afonso

Sarah Afonso Auto-retrato 1923 Colecção particular

Sarah Afonso Lavradeiras com Bois 1937 Colecção particular

Sarah Afonso Lavradeiras Colecção particular

Sarah Afonso Menina com Boi Colecção particular

Sarah Afonso Alminhas (1935) Colecção particular

Sarah Afonso Retrato do Filho. 1936 Colecção particular

Sarah Afonso Casamento na Aldeia. 1937 Colecção Fundação Calouste Gulbenkian/CAMJAP

“Perante a natureza procuro a emoção, não um retrato” 

com esta frase, Sarah Afonso define magistralmente a sua obra

A Fundação Calouste Gulbenkian dedica-lhe, integrada nos 120 anos do seu nascimento, uma extensa retrospectiva. Nela podemos contemplar pinturas, desenhos, cerâmicas, bordados, entre dezenas de peças de uma originalidade, uma linguagem muito pessoais caracterizadas, pela sua inspiração popular. de aparente ingenuidade.

 

De produção contida, Sarah Afonso procurou sempre um caminho solitário e pessoal, libertando-se das influências aprendidas nas escolas de Belas Artes de Lisboa e Paris.

No inicio da carreira, a artista foi marcada por Columbano, seu primeiro mestre, e por Matisse – cuja obra estudou demoradamente em Paris.

A linha pictórica da autora é marcada por cores fortes, azuis, amarelos e verdes, que nos remetem para a infância e adolescência passadas em Viana do Castelo, anos marcantes para si. Jamais apagou da memória os contactos com as gentes, caso de lavradores e bordadeiras, das margens do rio Lima. O bulício das romarias com as suas bandas, bombos e fogos de artíficio marcaram a sua memória e a sua obra.

O azul do céu, o amarelo do sol, o verde das encostas tornaram-se-lhe decisivos na pintura, constituindo a génese da sua carreira pictórica.

 

Alegre e comunicativa

 

Ao longo da vida, Sarah Afonso evidenciou uma alegria contagiante e uma força invulgar que lhe permitiram ultrapassar duros revezes. Oriunda de uma família de militares, consegue com  talento e persistência estudar artes plásticas na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde será a derradeira aluna de Columbano Bordalo Pinheiro. Nesses tempos, a jovem integra-se no chamado modernismo português, ao lado de Eduardo Viana, Mário Eloy, José Tagarro  e Abel Manta. 

Ida para  Paris, o seu talento é rapidamente notado, obtendo êxitos assinaláveis nas várias exposições em que participa. 

A doença e a morte da mãe fá-la-ão regresar prematuramente a Portugal. Nos anos seguintes acompanha, dada a ausência do pai, militar de carreira, o crescimento dos irmãos. 

Expõe, entretanto, com grande receptividade, telas marcadas pela iconografia minhota e por retratos que o seu olhar filtra de maneira incomum.

 

Vexada pelo marido

 

Na década seguinte, o casamento com Almada Negreiros e o nascimento dos filhos fazem-na afastar-se da pintura. Revela-se, então, uma dedicada colaboradora do marido - principalmente nos frescos da Gare Maritima de Alcântara.

Nesse tempo ela tinha um atelierna pequena quinta de família, em Cascais. Um dia, o marido coloca-lhe, porém, um burro nesse espaço o que a leva, ressentida, a abandonar a pintura. 

"Uma das razões porque deixei de pintar, foi porque não tinha condições, não tinha um quarto para mim", dirá Sarah Afonso à sua nora. A artista preferiu a felicidade e a família ao desemvolvimento de uma carreira pujante.

Dedica-se esporadicamente à tapeçaria (bordados baseados em motivos minhotos), à ilustração de livros (como os de Fernanda de Castro e Sophia de Mello Breyner) e à cerâmica - destacando-se os azulejos que fez para a Quinta da Lameirinha, em Bicesse. Ensina nos “Parques Infantis de Lisboa” e nas escolas “Pássaro Azul” e “Ana Leonor”,  fundados pela poetisa Fernanda de Castro. Dará aulas a Inês Guerreiro, pintora e ilustradora cuja obra carece de estudo, sua única discípula.

 

Esperança risonha

 

Escrever tornou-se-lhe, segundo afirmou, uma “esperança risonha”. A morte de Almada Negreiros, ocorrida em 1970, marcará o regresso de Sarah Afonso aos pinceis. Remonta ateliersnas casas de Lisboa e de Bicesse e reinicia a sua carreira, apurada  por cores intensas e contrastadas, por formas definidas a luz, por motivos populares do norte. É um deslumbramento na época. 

O seu trabalho, nem sempre entendido e merecido, encontra-se disperso por colecções privadas e museus, podendo agora ser revisto, em conjunto, na Fundação Gulbenkian. 

 

CRONOLOGIA

1899 – Sarah Sancha Afonso nasce em Lisboa, mas aos cinco anos a família instala-se em Viana do Castelo.

1915 – Início dos estudos na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi a última aluna de Columbano

1923 – Expõe pela primeira vez na Sociedade de Belas Artes

1927 – Primeira mostra individual no Salão Bobone em Lisboa. Estágio na “Academia Grand Chaumière” em Paris

1928 – No “Salon d`Automne, Grand Palais” a sua tela“As Meninas” é destacada pela crítica, obra que se encontra actualmente no Museu do Chiado.

1929 – Regressa a Portugal e faz exposição com José Tagarro

1930 – Participa no Salão dos Independentes, em Lisboa

1932 – Expõe na Galeria de O Século

1934 – Casa com Almada Negreiros

1935 – Nasce o filho José

1937 – Expõe com Mário Eloy. Nasce a filha Ana Paula

1940 – Participa na Exposição do Mundo Português

1944 – Recebe o Prémio do IX Salão de Arte Moderna. Desiste praticamente de pintar

1953 – Participa na exposição da Galeria de Março e na III Bienal de Museu de Arte Moderna de São Paulo

1954 – Participa com desenhos numa exposição organizada pela revista “Bem Viver”no Palácio Foz

1962 – Exposiçao retrospectiva na Galeria Alvarez, no Porto

1970  - Morte de Almada Negreiros. Sarah Afonso volta a pintar.

1977 – Restaura o retrato a óleo “Fernanda de Castro e seu filho António”, obra que executara em 1928

1982 – Publicação do livro “Conversas com Sarah Afonso, de Maria José Almada Negreiros ”

1983 – Morre em Lisboa. A sua obra encontra-se representada em inúmeras colecções particulares e nos museus do Chiado, Calouste Gulbenkian (colecção moderna), Abade Baçal, Amadeo de Souza Cardoso  e no de  Setúbal.

1999 – Exposição “Sarah Afonso: Memórias de Viana”, conjunto de 33 óleos e desenhos datados de 1911 a 1975,

Museu Municipal de Viana do Castelo

2007 – O óleo “Menina Sentada”, datado de1936, atinge 70 mil euros na Cabral Moncada. No Mercado apareceram, nos últimos 15 anos, cerca de 20 obras, entre azulejos, óleos, desenhos e tapeçarias. 

2019 – Retrospectiva da sua obra na Fundaçao Gulbenkian. 

António Brás

bottom of page