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Luiza TodiA diva que galvanizou a Europa

Luiza Todi, numa pintura a óleo sobre (miniatura) que pertenceu, que pertenceu a José de Paiva Soares Deniz

Luiza Todi Autora: Louise Elisabeth Vigée Lebrun Consevatório Nacional de Música, Lisboa

O musicógrafo Charles Burney num retrato de Joshua Reynolds

À direita a Travessa dos Fiéis de Deus e do Óratório onde moraram Luiza e Francesco Saverio Todi, após o casamento

Wolfgang Amadeus Mozart ouviu Luiza Todi cantar em Paris

A cidade de Viena, reproduzida num quadro de Franz Scheyerer

Pietro Metastasio, o famoso <Vaate Cesáreo> da Corte dos Habsburgos

A imperatriz Catarina II

Beethoven, ainda jovem, como Luiza Todi o conheceu

À esquerda: Anselmo da Cruz Sobral voltou casado de Génova, com D. Maria Madalena Antónia Crocco. Á direita: A anfitriã D. Maria Madalena Antónia Crocco

O Teatro de San Carlo, em Nápoles

Teve as cortes do mundo a seus pés. Ganhou fortunas, glórias e adorações. Estreou-se há 250 anos. Setúbal, onde nasceu, vai ressuscitá-la

 

Há quem considere Luiza Todi a maior cantora de ópera do mundo. Baseados em documentos da época, séculos XVIII e XIX, especialistas afirmam que ela revolucionou aquele género de espectáculo dando-lhe a dimensão interpretativa e cénica que, a partir de então, se lhe conhece.

A excepcionalidade da sua voz (contralto), da sua representação, da sua intensidade, tornou-a uma Diva (como mais tarde Callas e Amália) convidada por monarcas - casos de Catarina da Rússia e Maria Antonieta - e imperadores, como Frederico II da Prússia.

Hospedada com a família, marido, mãe e filhos nos palácios reais dos maiores países da Europa de então, a cantora impôs-se como uma referência única na história universal da ópera.

 

Estrondosos sucessos

Luiza Joaquina de Aguiar nasceu a 9 de Janeiro de 1753 em Setúbal, filha de um modesto copista de teatro e de uma aristocrata arruinada. Desde muito nova ficou extasiada perante a música, o que a levou a receber lições de técnica vocal. A sua voz rapidamente foi notada, tendo-se estreado em 1768 (numa adaptação musical da peça Tartufo, de Molière), no Teatro do Conde de Soure, em Lisboa.

No ano seguinte casa com Francisco Todi, músico de origem italiana, que influenciará decisivamente a carreira da mulher.

Em breve recebe convites dos principais palcos europeus. O primeiro onde actua é o King`s Theatre de Londres, em 1777, na presença do Rei Jorge III. Interpreta a ópera Le Due Contesse. Recebe inúmeros elogios da crítica que realça a sua prodigiosa voz. Em Paris canta árias de Sacchini e de Puccini no Palácio das Tulherias, com extraordinário êxito. A imprensa considera-a “a cantora estrangeira mais perfeita ouvida desde sempre em França”. Ascende ao primeiro plano do teatro lírico mundial. Num concerto particular, em Versalhes, Maria Antonieta e Luís XV rendem-se ao seu génio. 

Pouco depois, a artista inicia uma tournéepor diversas cidades francesas, suíças, austríacas e polacas, sucedendo-se as apoteoses. 

É contratada para o Teatro de Turim, obtendo com Andromacae Arminioestrondosos sucessos. Daí parte para a Prússia, convidada por Frederico II, para uma série de recitais no Palácio de Potsdam. O imperador, que não apreciava a música italiana, pediu-lhe para interpretar árias de compositores germânicos, os seus preferidos.

 

Sereníssima princesa

Os ecos da prodigiosa intérprete portuguesa chegam à Rússia, governada por Catarina, a Grande. A imperatriz dá ordens para Todi ser contratada com o estatuto de “mestra das sereníssimas princesas do império russo”. 

Chega a S. Petersburgo em Maio de 1784, fica alojada com os seus no Palácio de Tsarskoie-Selo. “No decurso do primeiro concerto recolheu os sufrágios de toda a assistência e, particularmente, da nossa graciosa soberana”, relata um jornal russo da época. Que acrescenta: “Sua Majestade recebeu a cantora com a maior das benevolências, de que jamais alguém tinha beneficiado”. 

Luiza Todi acompanha a corte para o Ermitage. Aí canta Pollinia, cujo libreto dedica à czarina.“Elas tiveram um relacionamento muito próximo, tendo a cantora recebido jóias de grande valor” destaca-nos Margarida Lisboa, investigadora da obra da artista. “Conta-se que a imperatriz, após a ter ouvido em Didone Abbandonatalhe ofereceu  a coroa de brilhantes que trazia, dizendo: “Bem merece uma coroa quem com tanta dignidade sabe representar o papel de rainha”- revela o historiador Mário Moreau. 

Aquando da inauguração do Teatro do Ermitage, onde interpretou Armida e Rigoletto, recebe da soberana um conjunto de jóias com 2.479 brilhantes.

 

Multidões fascinadas

Regressada a Paris participa, nas vésperas da revolução de 1789, num concerto com a presença de Maria Antonieta. Emocionada, a monarca oferece-lhe um anel com o seu retrato. Os dramáticos acontecimentos fazem-na partir para Berlim, onde conhece Beethoven.“Ele apreciou-a de tal maneira que deu um concerto privativo em sua honra”, salienta Margarida Lisboa.

No Verão de 1790, Luiza Todi canta em Veneza Didone Abbandonata. A multidão, que extravasava a sala, não deixou fechar as portas do edifício ficando a ouvi-la, deslumbrada, na rua.

“O público mantinha –se em completo silêncio, manifestando o maior fascínio e interesse”, anota Mário Moreau.

No nosso País apenas se apresenta em concertos particulares no Palácio Cruz Sobral e na Casa Pia em1793. Neles apresenta as óperas La Preghiera Esauditae Il Natale Augusto.

 

Naufrágio no Douro

A guerra civil em Nápoles provoca a fuga de Luísa Todi, que embarca em Fevereiro de 1800 para Portugal. Fixa-se no Porto, cantando em público pela última vez aos 58 anos noTeatro de São João. A morte do marido, a cegueira progressiva e o começo do esquecimento afastam-na dos palcos. Quando das invasões francesas, em 1809, foge para Gaia. A barcaça onde se desloca afunda-se e todas as suas fabulosas jóias ficam perdidas para sempre no rio Douro. Uma velha empregada consegue salvar-lhe a vida e levá-la de regresso para casa. É presa pelos invasores, mas o general Soult, que a reconhece e admira dos palcos parisienses, manda-a soltar e proteger.

 

Sepultada numa chapelaria

Em 1811, Luiza Todi fixa-se em Lisboa, no Bairro Alto, na companhia das duas filhas.

A sua existência é modesta, dedicando-se a ajudar os mais desfavorecidos, que a apelidam de “santa”.

Nos últimos 10 anos recebia, apesar de cega, músicos de passagem por Lisboa. Para eles, cantava e tocava piano, ou harpa. A morte surpreende-a aos 80 anos, a 1 de Outubro de 1833. É sepultada num anexo da Igreja da Encarnação, local transformado, mais tarde, em chapelaria e loja de velas. Hoje é o Antiquário António Costa, propriedade de João Miguel Teixeira. 

A “portuguesa”, como lhe chamavam, rendidos, os críticos, só não foi devidamente apreciada em ... Portugal. Os dirigentes de então, D. Maria I e D. João VI, não lhe mostraram sensibilidade nem reconhecimento condignos – como se tornou, aliás, hábito entre nós relativamente aos grandes criadores. 

 

Homenagens

Nos últimos anos, Luiza Todi foi homenageada com uma  peça de teatro sobre a  sua vida, intitulada Eu Sou Luiza Todi,escrita por Margarida Lisboa para o Teatro Experimental de Cascais, o que constituiu  um  momento muito expressivo. Um livro-álbum e um CD biográficos (o primeiro escrito por Mário Moreau, e o segundo lido por Carmen Dolores), foram outros eventos marcantes. Um abaixo-assinado com sete mil nomes  foi, entregue ao ex-Presidente da República  Jorge Sampaio para a promoção de uma homenagem nacional – que incluia a trasladação dos restos mortais da cantora da Igreja da Encarnação, em Lisboa, para um monumento condigno com a sua grandeza.

A Câmara Municipal de Setúbal adquiriu, entretanto, a casa onde a cantora nasceu e viveu um largo tempo. Trata-se de um imóvel setecentista situado no popular bairro da Fonte Nova. A velha edificação com três andares encontra-se, porém, degradada e devoluta. O município tem o objectivo de recuperar esse prédio e instalar nele a Casa-Museu Luiza Todi.  A bisneta da cantora, Maria Manuela Jordão, legou recentemente um vasto acervo de móveis, porcelanas, imagens religiosas, livros, bronzes e marfins que, segundo tradição familiar, pertenceram a Luiza Todi. 

 

António Brás

Historiador

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