

MILAGRE DE FÁTIMA / MILAGRE DO SOL
![]() Foto de Maria Madalena de Martel Patrício (Lisboa 1884-1947) | ![]() Os três pastorinhos de Fátima: Lúcia, Francisco e Jacinta (hoje os dois últimos já estão santificados pela Igreja católica | ![]() A expectativa do povo que se deslocou a Fátima em Outubro de 1917 |
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![]() O povo genuíno, absolutamente expectante para ver o “Milagre do Sol” | ![]() Escultura de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, tal como foi concebida nos tempos imediatos ao Milagre, vendo-se o terço suspenso dos braços. Curiosamente, a Nossa Senhora de Fátima é quase sempre chamada senhora do Rosário, mas nas suas mãos existe um terço. Lembramos aos menos atentos que um rosário comporta 15 mistérios (até no séc. XVII na Índia portuguesa era muito vulgar) e o terço conta apenas com cinco mistérios (10 Avé-Marias) rematado sempre por uma conta que representa um Padre-Nosso |
O Milagre de Fátima que comemora o seu 100º. Aniversário no dia 13 de Outubro de 2017, foi visto por cerca de 70 mil testemunhas. Com as cerimónias que se realizarão dá-se o culminar dos Festejos do Centenário que trouxe o Papa Francisco a Portugal a 13 de Maio último.
De há cem anos até hoje, aquelas terras escalvadas sofreram enormes modificações e da pequena capela das aparições à imensa catedral vão os valores que a fé na Nossa Senhora de Fátima tem levado àquele abençoado local.
IMPRESSÕES DE FÁTIMA
Da autoria de Madalena de Martel Patrício
Maria Madalena de Martel Patrício, a quem carinhosamente sempre tratei na revista “Moda & Moda” por Tia Madalena, escritora sobre a qual já escrevi inúmeros artigos, foi a primeira única feminina portuguesa a ser nomeada para o Nobel da Literatura (1934) e muitas vezes ao longo de 15 anos (1934, 1935 e de 1937 a 1947), sem nunca ter sido galardoada. Mas, ser mulher nesse tempo, não era nada fácil. Daí que, apesar da sua excelente obra, nunca tenha recebido um Nobel.
Maria Madalena de Martel Patrício nasceu no seio de uma família aristocrata com raízes em Pombal. Foi 18ª. senhora de Flandes em Pombal e da Quinta da Francelha, localidades para onde se deslocava deixando a zona do Príncipe Real para passar as suas prolongadas férias. Hoje, da grande quinta da Francelha onde se produziu vinho galardoado no estrangeiro, resta o Palácio da Francelha com a sua igrejinha anexa e um pouco de jardim, já que as terras dos vinhedos, sofreram uma expropriação por utilidade pública, onde o Estado Novo implantou o Aeroporto de Lisboa, dando, como é habitual, uma ninharia pelas terras que a tia Madalena também descreveu nos seus muitos livros que fazem o meu encantamento.
E, depois deste pequeno relato, passo, com a devida vénia, a transcrever o que a Tia Madalena deixou escrito no seu livro in “IMPRESSÕES DA ARTE E DA TRISTEZA”:
Impressões de Fátima
“Despovoaram-se os lugares, as aldeias, as cidades próximas.
Pelas estradas, já nas vésperas, seguiam grupos de romeiros a caminho de Fátima.
Pescadores da Vieira deixaram as casas de madeira negra assentes sobre o mar, as lides da arrumação das pescarias. Pelos pinhais, onde as camarinhas parecem gotas de orvalho na verdura, pelos areais onde giram as velas dos moinhos, vieram a pé, os “coturnos” de lã nas pernas musculosas, saias de agasalho sobre as costas, à cabeça o saco com o farnel, no passo miúdo e meneado, que lhes fazia voltear a rodaria das saias, e agitar os lenços alaranjados onde assentavam os chapéus pretos, Operários da Marinha, lavradores de Monte Real, das Côrtes, dos Marrazes, serranas de longe – das serras do Soubio, de Minde, do Louriçal, gentes de toda a parte onde chegasse a voz do milagre, deixavam as casas e os campos, e vinham por aí fora a cavalo, de carro ou a pé, cruzando as estradas, atravessando montes e pinhais, de longada pelos caminhos, que durante dois dias se animaram do rodar dos carros, do chouto dos jumentos, do vozear dos grupos de romeiros.
O outono avermelhava as vinhas, vindimadas. O vento do nordeste, frio e cortante, anunciando o inverno, fazia tremer os choupos transparentes das bordas dos rios, que desmaiavam saudosos do sol, em tons amarelecidos de rendas antigas.
Nos areais giravam as velas brancas dos moinhos. Nos pinhais curvavam-se ao vento os cimos verdes dos pinheiros.
As nuvens iam cobrindo o céu. Amontou-se o nevoeiro em flocos leves e macios.
O mar, na vastidão da praia da Vieira, espumava, bramia, enrolava-se em ondas altas, e pelos campos ia-se ouvindo, num clamor sinistro, a sua voz!
Toda a noite, toda a madrugada choveu, uma chuva miudinha, persistente, que encharcava os campos, que entristecia a terra, que ia trespassando até aos ossos, de uma humidade fria, as mulheres, as crianças, os homens e os animais, no caminhar apressado para a Serra do Milagre!
A chuva caía, caía, macia e teimosa.
As saias grossas de estamenha e riscadilho, pingavam, pesavam, pesavam como chumbo, nas fitas das cinturas. Os barretes e os chapéus largos, escorriam água sobre as jaquetas novas dos fatosde ver a Deus. Os pés descalços das mulheres, as botas ferradas dos homens, chapinhavam nas poças largas do lodaçal das estradas.
Mas, a chuva parecia que não molhava, pareciam que não sentiam a chuva!
Caminhavam sempre, subindo a serra, iluminados de fé, na ânsia do milagre que Nossa Senhora prometera, no dia 13, pela uma hora, hora do Sol, às almas simples e puras de três crianças que apascentavam gados!
Iam ficando para traz, perdidos na nevoa, esfumados na transparência da chuva, pinheiros, choupos, carvalheiras, manchas vermelhas de vinhas, casais, campos lavrados de terra escura… Os campos eram desertos! As casas eram fechadas!
Havia um silêncio estranho nos campos desertos, de gentes e de gados, havia um ar de espera e de emoção, na atitude das coisas, das casas pobres como adormecidas no silêncio, janelas e portas fechadas à luz!
A serra era alta, mas parecia aos caminheiros que os não cansava a subida da serra!
A serra era triste, cada vez mais triste, de pedras escalvadas e negras sem a alegria da verdura de uma árvore, mas os caminheiros não sentiam a tortura impressionante e trágica da paisagem de dor!
A chuva começou a rarear. Era agora só um véu de névoa muito leve, que se ia desfazendo a pouco-e-pouco, e pouco a pouco a serra ia aclarando.
Aproximava-se um murmúrio que vinha descendo do monte. Murmúrio que parecia a voz longínqua do mar, que se tinha calado no silêncio dos campos…
Eram cânticos que se definiam, entoados por milhares de bocas.
No planalto da serra, cobrindo o monte, enchendo um vale, via-se uma mancha enorme e movediça de milhares e milhares de criaturas de Deus, milhares e milhares de almas em prece!
Mãos erguidas, olhos em êxtase, vinham na fé ardente da crença. Vinham pedir o milagre a Nossa Senhora, pedir a redenção dos pecados, pedir a bênção para as amarguras da vida!
À uma hora da tarde, hora do sol, parou a chuva.
O céu tinha um tom acinzentado de pérola e uma claridade estranha iluminava a vastidão bíblica e trágica da paisagem triste cada vez mais triste…
O Sol tinha como um véu de gaze transparente para que os olhos o pudessem olhar. O tom cinzento de madrepérola transformou-se como numa chapa de prata luzidia, que se ia rompendo, até que as nuvens se rasgaram e o Sol prateado, envolvido na mesma leveza cinzenta de gaze, se viu rodar, a girar em volta do círculo das nuvens afastadas!
Foi um grito só em todas as bocas; caíram de joelhos na terra encharcada, os milhares e milhares de criaturas de Deus, que a fé levantava até ao céu!
A luz azulava-se num azul esquisito, como se viesse, através dos vitrais de uma catedral imensa, espalhar-se naquela nave gigantesca, ogivada pelas mãos que se ergueram no ar…
O azul extinguiu-se lentamente para a luz parecer coada por vitrais amarelos.
Manchas amarelas caiam agora sobre as caras, sobre os lenços brancos, sobre as saias escuras e pobres das estamenhas. Eram manchas que se repetiam indefinidamente sobre as azinheiras rasteiras, sobre as pedras, sobre a serra.
Tudo chorava, tudo rezava, de chapéu na mão, na impressão grandiosa e única do milagre esperado!
Foram segundos, foram instantes que pareceram horas, tão vividos foram!
Passaram nuvens sobre a claridade vaga e cinzenta que velava o Sol!
As almas em prece, que tiveram por instantes a vida suspensa, à vida voltaram.
Esfarraparam-se as nuvens, apareceram bocados azuis do céu. O Sol, na serenidade impassível de todo o sempre, iluminou vagamente a serra escalvada, onde Nossa Senhora fez juntar, pela boca de três crianças que apascentavam gados, milhares e milhares de criaturas de Deus!
Outubro, 1917
(Quinta do Amparo, no dia 13, à volta do milagre.
Conclusão
É com a maior satisfação que a Moda & Moda oferece o texto da tia Madalena aos seus leitores.
Entretanto, aproveito esta oportunidade para interrogar a quem de direito porque motivo esta senhora que foi a portuguesa mais nomeada para receber o Nobel da Literatura, com uma obra vastíssima que honra as letras portuguesas, (basta citar a obra “Pedras Sagradas”) não tem uma rua em Lisboa, os seus livros não são divulgados nas escolas e nos liceus e há um esquecimento que aflige qualquer português que tenha honra na sua Pátria. Quem responde?
Marionela Gusmão