
Dora Maar I Uma Mulher Moderna
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Para celebrar o notável trabalho de Dora Maar, o J. Paul Getty Museum, em Los Angeles, tinha previsto inaugurar de 21 de Abril de 2020 a 26 de Julho de 2020, a exposição: Dora Maar.
Mas, o COVID 19 que tem devastado o mundo com uma brutal pandemia, levou ao adiamento deste evento que contribuirá, oportunamente, para o enriquecimento dos amantes da fotografia e da Arte Contemporânea.
Felizes os que tiveram a oportunidade de assistir à apresentação no Centre Pompidou, em Paris de 5 de Junho de 2019 a 29 de Julho de 2019 e no Tate Modern, em Londres, de 20 de Novembro de 2019 a 15 de Março de 2020.
A excelente exposição, é a primeira grande retrospectiva da obra de Dora Maar e inclui mais de 400 obras de arte. Com curadoria de Damatrice Amao e Karolina Ziebinska-Lewandowska, a mostra documenta o processo criativo de Maar, desde os seus primeiros anos como fotógrafa de moda, até à sua fotografia social, das suas experiências surrealistas, à sua de mudança de vida com Picasso, passando pelas suas naturezas-mortas e pinturas de paisagens que datam das décadas de 1940 e 1950.
Houve uma exposição inovadora sobre Maar e Picasso no Grand Palais em Paris em 2006, mas o seu foco principal era o relacionamento e a inspiração mútua dos dois artistas. Indo além do mito de Dora Maar como musa de Picasso, a actual exposição no Getty Museum em Los Angeles relata a jornada artística de Dora Maar durante vários anos.
Num trajecto que acompanha a sua vida longa e acidentada, a exibição prova que, como fotógrafa, Dora Maar nada deve a Man Ray — que a rejeitou como assistente — e muito menos às suas colegas Lee Miller, Florence Henri ou Claude Cahun. Aos 23 anos abriu um estúdio com o designer e director de arte Pierre Kéfer. O trabalho comercial (moda, publicidade, arquitectura, retrato, nus) deu-lhe a liberdade de imaginar e experimentar com audácia. Havia quem dissesse que “tesouras, pinças e cola não são acessórios na fotografia”, mas a sua aproximação ao grupo surrealista influenciou o seu trabalho. Em vez de tirada, a fotografia podia ser imaginada e construída com o uso de objectos estranhos de função simbólica (objects trouvés), sombras exageradas, combinação de negativos (como acontece com “Os anos estão à sua espera”, 1935) ou o recurso à fotomontagem (como é de certo modo o caso da perturbante da fotografia colorida em 1935, “29, rue d’Astorg”, que combina uma velha fotografia de Versailles com a imagem de um manequim decapitado da sua autoria; a morada do título era a do seu segundo estúdio). Esta é a arte conhecida de Dora Maar.
As extraordinárias fotografias de rua, tiradas não só em Paris como em Barcelona e Londres, em 1933 e 34, competem com as melhores da “Photo League” de Nova Iorque (Paul Strand, Sid Grossman, Erika Stone, Lucy Ashjian, etc.). Ao contrário de muitos fotógrafos humanistas, Maar favorecia composições desorientadas que levavam tempo a decifrar. A sensibilidade surrealista é difícil de apagar. Como diria Aragon, “o acaso da vida e da rua era a sua única experiência e justificação”. Éluard, que a conhecia bem — Maar usou muitas vezes a mulher, Nusch, como modelo —, afirmou um dia que a amiga fotógrafa “segurava todas as imagens com as mãos”.
O encontro com Picasso tudo mudou. O sadismo do pintor abraçou o masoquismo da retratada. E se é verdade que a arte de Maar levou Picasso a explorar os materiais fotossensíveis e as técnicas fotográficas (raios-X, clichés vidro, etc.), afinal não muito diferentes das práticas da gravura, também é verdade que Picasso encorajou Maar a regressar à pintura que praticara no início da carreira. Resultado: o pintor fotografou Maar e esta pintou o amante. Os interesses convergiram durante a criação de “Guernica” em Maio/Junho de 1937. Ao decidir pintar o quadro a preto e branco, Picasso “transformou a obra numa fotografia imensa”, nas palavras de Maar. Esta não só registou com a máquina fotográfica oito fases da composição e a pintura da obra-prima de Picasso como contribuiu com umas pinceladas na perna do cavalo. (Seis daquelas fotografias são um dos focos da exposição.) Picasso também aproveitou para mudar o Sol numa lâmpada elétrica com clarão em forma de olho. Maar representaria a lâmpada numa das suas pinturas, e depois cedeu a lâmpada a Picasso, que precisava de melhor iluminação dadas as grandes dimensões de “Guernica” (quase oito metros de comprimento).
Há quem pense que os vários retratos de Dora Maar pintados por Picasso na versão de mulher a chorar traduziamm a natureza da relação entre os dois. No entanto, Maar — que também pintou várias mulheres a chorar — afirmou várias vezes que tal não era verdade. Chorava, sim, pela ocupação nazi de Paris, pela guerra e pelo estado do mundo. Quanto aos retratos, considerava-os mentiras: “São todos Picassos; nenhum deles é Dora Maar!”
Aos poucos, libertou-se de Picasso. Enquanto a relação se desfazia, a sua pintura evoluiu para paisagens melancólicas e monocromáticas e naturezas-mortas. Passou quase uma década sem expor, mas a pintura ajudava-a a recuperar a sua estabilidade emotiva e espiritual. Embora em tempos tivesse sugerido que a “abstração conduzia a uma parede”, nos Anos 50 encontrou uma saída nas paisagens cada vez mais abstractas e geometrizantes. Tornou-se uma mística reclusa. Quase não recebia ninguém e recusava-se a falar de Picasso (excepto aos amigos e amigas). A reconciliação entre a pintura e a fotografia deu-se na câmara escura quando, já nos Anos 80, começou a produzir fotogramas a partir de negativos riscados, desgastados pelos ácidos e realçados pelas tintas — composições abstractas e diáfanas que são outras tantas paisagens da alma.
A exposição
A primeira secção da exposição concentra-se na fotografia de moda e comercial de Maar do início dos Anos 30. Em 1932, colaborou com o designer de cenários Pierre Kéfer para abrir o estúdio de fotografia Kéfer-Dora Maar em Neuilly-sur-Seine.
Maar também trabalhou em revistas de moda e tirou retratos projectados para imagens publicitárias na imprensa ilustrada. Na sua fotografia de moda, Maar usou a técnica da fotomontagem: sobrepôs diferentes fotografias para criar efeitos surrealistas impressionantes. Para o trabalho: “Les années vous guettent” / Os anos estão esperando por si (1932) – uma publicidade para um creme anti-rugas - Maar editou um retrato da sua amiga Nusch Eluard e sobrepôs uma teia de aranha invasora no rosto delicado. Dora também fotografou silhuetas nuas, e em particular o modelo Assia, representado no fundo de uma sombra gigantesca.
A segunda parte da exposição é dedicada aos compromissos políticos de Maar. No início dos Anos 30, Maar aventurou-se e viajou para Barcelona e Londres, retratando párias e crianças brincando nas ruas. A sua fotografia social da época mostra vistas urbanas de janelas e cenas de ruas, transmitindo a dura realidade dos bairros pobres. Maar exibiu as suas fotografias sociais na exposição 'Documents de la vie sociale', organizada pela Associação de Artistas e Escritores Revolucionários em 1935.
A mostra destaca a extraordinária produtividade de Maar durante os anos entre guerras e o papel que ela desempenhou no movimento surrealista. Em 1935, Maar abriu o seu próprio estúdio no nº. 29 rue d'Astorg, um endereço que forneceu o título de uma fotografia na qual uma figura feminina decapitada se senta num banco em frente às arcadas distorcidas da Orangerie. Os surrealistas reconheceram Maar como uma fotógrafa talentosa. Ecoando o “Manifeste du surréalisme” de Breton (1924) ou “Le Paysan” de Paris de Aragon (1926), a fotografia surrealista de Dora Maar enfatizou o papel dos sonhos e do inconsciente através de colagens e fotomontagens. Em Danger (1936), por exemplo, dois homens parecem erguerem-se na praia, um em estado de transe e o outro levantando as mãos com reverência. Ao examinar a grande secção surrealista da exposição, também se destaca o “Cadavre-exquis” em pedaços de papel dobrados, nos quais diferentes artistas (entre os quais Breton, Jacqueline Lamba e Yves Tanguy) desenhavam imagens não relacionadas, para criar associações inesperadas dos pensamentos.
O encontro de Dora Maar com o pintor espanhol Pablo Picasso no inverno de 1935-1936 marcou um ponto de viragem na sua vida e carreira. Ela foi a primeira a tirar a fotografia de Picasso, e o seu relacionamento apaixonado levou a uma colaboração fascinante. Maar tornou-se a musa e modelo de Picasso para inúmeros retratos, entre os quais a sua “Femme qui pleure / The Weeping Woman” (1937).
Ao longo da sua vida, Maar também fotografou os artistas mais importantes do seu tempo: Leonor Fini, Paul Eluard e Nusch, Jacqueline Lamba, que se tornaria a mulher de André Breton, René Crevel, os irmãos Prévert, Yves Tanguy, Jean Cocteau, Marie-Laure de Noailles, entre muitos outros. Esses retratos luminosos davam uma versão maravilhosa da cena artística parisiense da década de 1930. Na secção surrealista, uma multidão foi reunida em torno da célebre fotografia de Maar por Man Ray, tirada em 1936. O rosto, em primeiro plano, de Maar e unhas pintadas emite uma aura profundamente surrealista.
A última parte da exposição concentra-se num aspecto menos conhecido do trabalho de Maar, mostrando as suas naturezas-mortas e paisagens que ela começou a pintar durante a Ocupação. A maioria delas foi claramente influenciada pelo cubismo. Maar morreu em Paris em 1997.
Durante os Anos 30, as fotomontagens provocantes de Dora Maar tornaram-se ícones célebres do surrealismo. O seu olhar para situações inesperadas também traduzia a sua fotografia comercial, incluindo moda e publicidade, como também para os seus projectos como documentário social.
Dora trouxe uma dimensão experimental da invenção técnica e uma nova liberdade de estilo, influenciada pela arte e pela vida cultural contemporânea. Composições, reenquadramento, sombras e luz, eram inovações usadas na criação de imagens em contacto com os desenvolvimentos na fotografia das décadas de 1920 e 1930, das quais Dora Maar foi uma das principais representantes. Apesar da sua intensa produtividade, à qual a artista dedicou grande parte da sua carreira, as suas fotografias apresentavam uma contemporaneidade única.
No meio e mais tarde na vida, Maar retirou-se da fotografia, concentrando-se na pintura onde encontrou estímulo e consolo na poesia, religião e filosofia, voltando para a sua câmara escura unicamente na dácada dos setenta. Esta exposição explora a amplitude da longa carreira de Maar no contexto do trabalho dos seus contemporâneos.
Dora Maar
Henriette Theodora Markovitch (1907 - 1997), mais conhecida pelo pseudónimo Dora Maar, foi uma grande fotógrafa, poeta e pintora francesa, descendente de croatas.
Foi a quarta das sete mulheres de Pablo Picasso. Foi retratada por Picasso na obra Dora Maar au Chat em 1941.
Dora nasceu em Tours, filha única de Joseph Markovitch (1875–1969), um arquitecto croata que estudou em Zagreb, Viena e Paris, onde se estabeleceu em 1896, com a sua mulher francesa Louise-Julie Voisin (1877–1942). Em 1910, a família mudou-se para Buenos Aires.
Em 1926, a família regressou a Paris e Dora, começou a ter aulas de fotografia e pintura em escolas de referência, estudando, também, na École des Beaux-Arts e na Académie Julian.
Dora estudou artes decorativas, fotografia e pintura, nomeadamente com André Lhote, o mesmo que nessa altura ensinava Henri Cartier-Bresson. A opção, porém, foi a fotografia — com o nome de Dora Maar. Começou pelo retrato e fotografia de moda, chegou a partilhar a câmara escura com Brassaï, viajou até Londres e Barcelona e acabou ligada a grupos surrealistas.
Em 1935, conheceu Pablo Picasso, num relacionamento complicado e opressivo. Em seguida, serviu de modelo para “Monument à Apollinaire”, um tributo ao falecido poeta Guillaume Apollinaire.
Pintura
Dora começou a pintar após deixar Picasso. Grande parte do seu trabalho permaneceu sem reconhecimento até depois da sua morte, quando em 1999 foi organizada uma exposição com os seus quadros e o público pode descobrir o seu talento e ver em primeira mão quadros que nunca deixaram o estúdio. Com a separação de Picasso, pode enfim seguir o seu próprio estilo, sem sofrer com a influência do pintor sobre a sua obra. Algumas reflectiam o seu humor, outras os tempos difíceis depois da Segunda Guerra.
Após anos lutando contra a depressão profunda, Dora isolou-se no seu apartamento. Entre os anos de 1960 e 1970, começou a experimentar a criação de formatos abstractos e mistura de cores. No entanto, foi nos anos 1980 que Dora começou a expressar-se plenamente, usando a paisagem de Luberon como inspiração.
Dora Maar é uma das fotógrafas mais importantes de todos os tempos, tanto pela sua fotografia como pela sua luta em libertar as artes de conceitos e regras. A sua obra, representa sonhos, fantasia. Poderia ter optado por representar pesadelos, uma vez que o mundo acabaria de passar por uma grande guerra. Mas, utilizou o humor, a diversão para confrontar o horror da primeira metade do século XX.
Theresa Bêco de Lobo