
Caça I Paixão de alguns portugueses
![]() Jan Fyt (Anversa 1611-1661) Natureza morta do cacciagione, óleo sobre tela 178 x 267,5 cm | ![]() Frasco em vidro da Boémia com caçador esmaltado. Séc. XVII | ![]() Cena de caça.Pintura inglesa, séc. XIX Assinado: A. Black. Colecção particular |
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![]() Pierfrancesco Cittadini (Milão 1616 - Bolonha 1681) Natureza morta com fruta e caça. Óleo sobre tela 102 x 140 cm | ![]() Pormenor central de uma pintura de caça de origem alemã. Séc. XVII |
Nesta época do ano, milhares de portugueses deambulam pelos campos, em todo o país, espingardas na mão, roupas e apetrechos especiais.. É a época da caça. Caça ao pombo, à rola, à perdiz, ao pato, à galinha de água e à tarambola-dourada.
Perto de trezentas mil pessoas, número oficial dos que entre nós têm carta e licença, vivem este período como uma aventura. Muitas mais, calculam os entendidos, estarão, porém, no terreno. A caça continua a ser, para alguns, paixão incontida - para outros, no entanto, actividade inaceitável.
Os sectores que se lhe ligam tornaram-se, por sua vez, e há muito, fontes poderosas de divisas (movimentam anualmente 50 milhões de euros) apresentando-se como reequilibradoras potenciais de zonas carenciadas, como no Alentejo. Novas formas de caçar, assentes no turismo e na hotelaria, estão, contrariando posições crescentes, a criar correntes de atracção que mobilizam importantes segmentos sociais.
A caça de animais bravios que se encontrem em estado de liberdade natural, tornou-se, entre nós, reconhecida oficialmente em 1967, altura em que surgiram diplomas próprios que a formalizaram.
A fauna cinegética passou a ser ordenada, os caçadores habilitaram-se com cartas e licenças, as espécies conheceram protecção.
Os terrenos livres, locais onde qualquer um pode caçar gratuitamente, começaram a dar lugar a reservas (locais onde só os associados podem actuar) associativas e turísticas. As suas associações pertencem a clubes, autarquias, etc, e as turísticas a empresas especializadas. Aos seus responsáveis compete elaborar as normas de funcionamento, o número de peças a abater diariamente, as espécies a preservar por época, bem como a reposição e o tratamento dos animais ameaçados.
Com a agricultura desarticulada pelas exigências da Comunidade Europeia, pelas desertificação dos solos, pela carestia das culturas e pelo despovoamento, os governantes veem na caça, sobretudo na de elites, uma alternativa rendível para regiões de carência tradicional.
Sobrevivência de povos primitivos, primeiro, lazer da aristocracia, depois, desporto de grupos endinheirados, mais tarde, a caça dá ao homem (sobretudo o citadino) meios de ligação, dizem os seus defensores, a uma natureza amena.
As reservas locais são entregues a grupos específicos e a empresas, onde caça e caçadores são controlados. Têm jóias, quotas, responsabilidades e estatutos. Os caçadores mais desfavorecidos lamentam não terem terrenos livres, nem acesso aos clubes existentes.
Não contentes, muitos caçadores portugueses vão a Espanha representando já dez por cento das licenças ali passadas.
Os apaixonados pela caça asseguram que ela é um elemento regulador qualitativo da conservação do ambiente. Os problemas ecológicos, a defesa ambiental e a preservação das espécies existem entre eles, asseguram, através de regras, exigências, disciplinas e vigilâncias próprias. “Se for preciso parar a caça durante alguns anos, para a salvar, paramos. A sobrevivência da natureza é o mais importante. Temos processos sanitários, vacinas, etc., e capacidade para garantir as reposições necessárias. Para nós, o que verdadeiramente conta é o convívio, a amizade, o amor às reservas e aos animais”, diz-nos Bernardo Meireles, caçador há 41 anos.
De camuflados, bonés, coletes, botas, cartucheiras, armas de canos duplos, sacos de sandes, garrafas de água e, alguns de uísque, os caçadores dissimulam-se de 70 em 70 metros, ”crachats” identificadores ao peito. Há os que transportam cadeiras giratórias e suportes reguláveis para as espingardas.
Barreiras circulares de ramos de pinheiros ocultam-nos de rolas e pombos, animais de excelente visão que, ao mínimo movimento se escapam em segundos.
“O pombo é o bicho com melhor visão que se conhece”, pormenoriza-nos Bernardo Meireles, de 59 anos. “Caço desde os 18, sobretudo tordos e perdizes. Antigamente a caça era mais emocionante, pegava num espingarda, num bornal e não parava. Agora tenho de estar quieto, à espera que as presas passem, não há mais a procura, a perseguição, esse jogo é que tinha graça”.
A época da caça começa a 20 de Outubro, e nas espécies permitidas entre nós, destacam-se a codorniz, a galinhola, a narceja, o tordo, o faisão, o coelho, a lebre e a raposa. A estas acrescenta-se ainda a chamada caça maior – javali, veado, gamo, corço e muflão.
. “A maior parte de nós vive para a caça. Não somos gente de praia, de discotecas, dedicamos-lhe tudo, tempo, dinheiro, entusiasmo, trabalho, e a nossa festa”, palavras de Bernardo Meireles. “Passamos meses a sonhar com a sua abertura, o convívio que proporciona, a emoção dos tiros certeiros!”
António Brás