
Calouste Gulbenkian festeja 150 anos















O ano 2019 vai ficar marcado pelos 150 anos de nascimento de Calouste Gulbenkian. A Fundação que instituiu vai dedicar-lhe diversas iniciativas, destacando-se o lançamento da exaustiva biografia "O Homem Mais Rico do Mundo. As muitas vidas de Calouste Gulbenkian”, de Jonathan Conlin e uma extensa exposição sobre a vida e obra do instituidor que tanto contribuiu para a cultura portuguesa, assim como a formação de bolseiros, entre os quais se conta o fundador da Moda & Moda, médico de profissão, casado com a sócia da revista desde o seu início.
Detentor de uma das grandes fortunas do século XX, Calouste Sarkis Gulbenkian, nascido a 29 de Março de 1869, na Turquia, de uma família arménia, tornou-se um dos nomes cimeiros do sector do petróleo e um grande colecionador.
Licenciado em engenharia, entregou-se aos combustíveis por decisão do pai. Este, banqueiro influente, fora dos primeiros empresários a perceber a importância futura do ouro negro até ai menosprezado. Depois de viajar pelo Médio-Oriente, onde conheceu os processos da sua extracção, Gulbenkian casou com Nevarte Essayan, da alta sociedade armeniana, e fixa-se na Grã-Bretanha. Inicia a partir daí a construção de um gigantesco império.
Seduzido pelo coleccionismo, torna-se rigoroso em coleccionar pinturas e esculturas de mestres europeus, móveis e pratas francesas setecentistas, porcelanas da China e de Sevres, jóias de Lalique, moedas da Grécia antiga, arqueologia egipcia, faianças e azulejos do médio-oriente, tapeçarias europeias, lacas japonesas, rendas francesas, tapetes persas e livros de grande raridade.
Numa tarde em Paris, adquiriu a sua primeira obra, a pintura “O Palácio dos Doges, Veneza” de Francesco Guardi. Sem o saber, iniciava uma das maiores colecções particulares do século XX, e especialmente um núcleo de 20 quadros do grande mestre italiano – o maior a nível mundial.
Calouste Gulbenkian não possuía na época nada de grande relevância ao nível da pintura e escultura europeia.
Quisera ser botânico
Os interesses da sua vida dirigem-se quase exclusivamente para os negócios, as artes e a natureza. Em jovem, desejou, ser botânico. Virando costas à vida social, fechou-se cada vez mais no seu universo dos negócios, recheado de preciosidades. Curiosamente prefere habitar em Hotéis a ocupar as suas luxuosas residências de Paris e Londres - que deixa para a mulher e os filhos Nubar e Rita.
Personalidade dual, concilia as suas facetas oriental e ocidental, racional e sensitiva, esteta e comercial. A imprensa chama-lhe "Napoleão das Artes", "Rei do petróleo" e "O senhor 5 por cento". Esta última designação advém de se ter tornado detentor de cinco por cento das acções da Iraq Petroleum Company, a então poderosa concessionária do sector.
Harém Precioso
Atraído por Paris, muda-se para a cidade-luz nos finais dos Anos 20, depois de mandar reconstruir um luxuoso palácio na Avenida d`Iena, onde se encontrou até 2010 a delegação da Gulbenkian. Nele começa a organizar as suas colecções, mas desinteressa-se da nova residência e fixa-se no Hotel Aviz. A indiferença da mulher e dos filhos pelas suas obras ("as minhas filhas", como lhe chamava) levou-o a isolar-se cada vez mais. Proibe que elas sejam vistas por estranhos. "Nenhum homem oriental permite que outros homens tenham acesso ao seu harém", justificava-se.
Habilmente, Calouste Gulbenkian negoceia com o governo de Moscovo a compra de várias preciosidades do Museu do Ermitage, caso de pinturas de Rubens, Rembrandt e Hubert Robert, pratas de Germain e a escultura de Houdon, representando Diana.
Estaline viu-se forçado a tomar esta decisão para fazer face a problemas económicos do estado soviético.
Mas, no colecção há outras peças originárias da Rússia estalinista adquiridas através de uma amiga, igualmente colecionadora e proprietária da tão famosa casa Mar a Lago, actualmente pertencente a Donald Trump, a senhora Marjorie Post que instituiu vários museus nos E.U.A.
A correspondência e os negócios entre Marjorie, Rússia e Gulbenkian é infinia.
Mais tarde adquiriria, igualmente, peças das antigas casas reais de Sabóia, Bourbon e Habsburgo. O seu acumular de obras de arte não parou. Os conjuntos somados abrangem pinturas do século XV ao XX, das escolas americana, flamenga, francesa, holandesa, inglesa e ialiana. Entre as obras-primas adquiridas, destacam-se trabalhos de Van der Weyden, Van Dyck, Carot, Manet, Degas, Monet, Renoir, Franz Hals, Lawrence, Turner, Moroni e Guardi.
Refúgio Português
Enfastiado da vida parisiense, descobre nas paisagens da Normandia um apaziguamento temporário. Passa dias nos jardins, trabalhando com as secretárias ao ar livre, tal como faria, mais tarde, em Lisboa. "Ser um grande homem de ciência e sonhar num jardim ao meu gosto, foi algo que sempre ambicionei e que nunca consegui", confidencia.
A instabilidade política que precedeu a 2ª Guerra Mundial levou-o a enviar parte das suas colecções para a National Art Gallery de Londres e para a National Gallery of Art de Washington.
Em Abril de 1942 resolve procurar refúgio para si num país neutro. Portugal é o escolhido. Chegado a Lisboa aluga parte do Hotel Aviz , onde se instala com o seu séquito.
A tranquilidade lisboeta, a suavidade do clima, a simpatia das pessoas e a estabilidade social depressa o conquistaram.
Dois portugueses, o médico Fernando da Fonseca e o advogado Azeredo Perdigão, tornam-se-lhe, entretanto, preciosos. Eles contribuíram para que Calouste Gulbenkian prolongasse indefinidamente a sua estadia entre nós.
Convencido pelos argumentos de Azeredo Perdigão, resolve edificar em Lisboa a sede da Fundação que sonhara, para preservar os seus fabulosos tesouros.
Ele que recusou sempre todas as honrarias, entre as quais a de Sir em Inglaterra, e a da Legião de Honra na França, aceitou, comovido, a da Ordem Militar de Cristo.
Como reconhecimento ao nosso País, Calouste Gulbenkian doou ao Museu de Arte Antiga de Lisboa um conjunto de pinturas de Velasquez, Van Dyck e Reynolds, de esculturas romanas, japonesas e francesas, de azulejos árabes e de móveis franceses. Foi a oferta mais importante que o nosso Estado recebeu até hoje
Último Quadro
Doente, quase sem sair dos aposentos, continua a aumentar as suas aquisições, cujo preço e autenticidade discute ao pormenor.
A idade torna-o difícil. Na sala do Hotel senta-se longe dos outros hóspedes. Na cozinha mandava marcar, com medo de ser envenenado, os alimentos escolhidos. Só comia frutas, queijos e vegetais vindos propositadamente de Paris e Londres.
Faleceu aos 86 anos, na manhã de 20 de Julho de 1955, na sua suite do Aviz, rodeado pelos seus gatos.
Cinco anos depois, a parte mais importante das suas colecções de pintura regressam de Nova Iorque a Paris. Uma década depois, após longas negociações com o Estado francês, a colecção vem para o nosso País. Inicialmente é exposta no Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras.
Quando das inundações de 1967, na área de Lisboa, o património artístico de Calouste Gulbenkian guardado no Palácio Pombal, de Oeiras, foi duramente atingido. Obras de valor incalculável ficaram de tal maneira danificadas que ainda hoje se encontram (caso de manuscritos e livros) afectadas. Umas das pessoas que evitaram a sua perda foi o pintor Manuel Reys Santos. Durante anos, ele trabalhou na sua limpeza, restauro. Para sempre deteriorada ficou, no entanto, a tela “San Pietro di Castello”, de Francesco Guardi.
A sede definitiva da Fundação foi inaugurada em 1969, na Avenida de Berna em Lisboa, no centenário do seu nascimento.
Dois anos antes de falecer, em 1953, Calouste Sarkis Gulbenkian adquiriu num antiquário de Paris uma tela em tons verdes (a sua cor preferida) intitulada "La Rue de Saint Vincent", de Stanislas Lepine - foi o último quadro que comprou. Gulbenkian fechou a colecção com uma paisagem de um artista próximo do Impressionismo e que passou a vida a pintar Paris.
O grande mecenas e colecionador ficou definitivamente ligado a Portugal. A Fundação colmatou durante décadas o insuficiente investimento público nas artes, sendo considerada o verdadeiro Ministério da Cultura.
Por todo o seu legado é a personalidade que nenhum português regateia todos os elogios.
António Brás