
Casa de Amália I Um Novo Museu em Lisboa
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A fadista refugiava-se na sua casa de São Bento como uma castelã. Dali contemplava os outros e o mundo. O edifício da primeira metade do século XVIII tornou-se uma pirâmide mágica.
Amália escolheu-o, para se enraizar, numa zona de confluência de vários espaços sociais: ao fundo São Bento, um espaço político; ao cimo a Lapa, um local aristocrático; defronte, o Bairro Alto, uma zona popular; à esquerda o Rato, um sítio burguês, que no entanto mantém intacto o palácio do Marquês da Praia, onde o Partido Socialista tem o seu quartel-general.
Síntese de todos, não quis ser, exclusivamente, de nenhum.

Corria o ano de 1955 quando Amália, jovem fadista de sucesso, descobriu a casa. Tratava-se de um prédio de traçado sólido mas elegante, discreto mas requintado. Composto por quatro pisos (fora um anexo do vizinho Palácio Vilhena) e um jardim, de imediato seduziu a artista que até ai vivia num andar da Rua de São Bernardo, à Estrela.
Com invulgar bom gosto, rigor e paciência restaurou-o – era um prédio transformado em andares de rendimento - e decorou-o: no rés-do-chão ficaram a garagem, os alojamentos do pessoal e a entrada; no primeiro andar, o hall, o salão, a sala de jantar, cozinha e serviços; no segundo, dois quartos, sala e zonas de serviços. Na mansarda, as salas de provas de vestidos, arrumos e o escritório.
Amigos próximos e admiradores desconhecidos presentearam-na com preciosidades - caso de um par de cómodas portuguesas oferecidas por Abel de Lacerda (de finais de 1700, com trabalho de “marqueterie” e aplicações de bronze), de um oratório português seiscentista (com as portas pintadas doado por admiradora anónima), de um “Cristo” em marfim com grande trabalho de entalhamento entregue por Eduardo Anahory.
Em breve, a artista tinha uma habitação confortável e luminosa. Isso, enquanto, à sua volta os palacetes de famílias tradicionais eram adaptados a prédios de rendimentos, serviços públicos ou condomínios, como o Palácio Vilhena que continha das maiores colecções de arte portuguesa.
O palacete de Amália ficou como exemplar único de uma época áurea. As viagens que ela fez, o bom gosto que apurou, as disponibilidades que conseguiu permitiram-lhe enriquecer e diversificar, de uma maneira permanente, o seu recheio.
Sensibilidade aristocrática
“Amália tinha uma sensibilidade aristocrática”, diz-nos o leiloeiro Miguel Cabral Moncada, que possuiu nos anos 80 e 90 uma loja de antiguidades na Rua de São Bento. “Apreciava os móveis franceses setecentistas, as Companhia das Índias, os azulejos do século das luzes. Em tempos, vendi-lhe por 300 contos (1500 euros) um par de cadeiras francesas do século XVIII. Amália sabia o que queria e comprava com facilidade. Era uma boa conhecedora de arte”.
Esse refinamento pode ser explicado por a artista ter, desde muito cedo, frequentado as grandes casas da época, como a de Ricardo e Mary Espírito Santo, de quem recebeu influências estéticas, culturais e sociais decisivas.
Amália sentia grande orgulho pela sua casa. Tomava as refeições com os mais íntimos na sala de jantar, com talheres de prata, porcelanas, e toalhas de linho. No dia-a-dia o serviço doméstico era assegurado por duas empregadas, Eugénia e Maria Antónia, Nas grandes ocasiões, como jantares de cerimónia, a comida e os empregados, fardados de branco, vinham do Tavares Rico, que invariavelmente cobrava somente o pagamento do pessoal. Amália insistia sempre em pagar na totalidade, mas o restaurante respondia que era uma “honra e uma enorme publicidade”.
No seu salão de azulejos e preciosidades, resultado da junção de duas salas, decorreram ao longo de décadas alguns dos convívios, das tertúlias, das festas mais inebriantes de Lisboa. Nos anos 60, por exemplo, nomes como David Mourão-Ferreira, Carlos Ary dos Santos, Natália Correia, Maluda,Vitorino Nemésio, Alain Oulman, Vinicius de Morais, povoaram-no de momentos inesquecíveis.
Eram célebres esses serões, até ao amanhecer, de troca de ideias, de poesia, de fado, de teatro. Fazia-a feliz ter a casa cheia, a mesa posta, a alegria viva, as guitarras prontas para amigos e admiradores – caso da recepção que dava invariavelmente no dia de anos.
Tocada pelo absoluto
“Éramos todos muito iguais, isso asfixiava-nos uns aos outros”, evocará Natália Correia. Para a poeta, Amália Rodrigues era “uma mulher tocada pelo absoluto, pela genialidade”, que necessitava, no seu quotidiano, de “pessoas simples que lhe restituíssem o equilíbrio psicológico para sentir-se apaziguada”.
O 25 de Abril provocou um terramoto na casa – é uma mudança radical nos que a frequentavam. Os amigos mais íntimos mantiveram-se, caso de, entre outros, Ilda Aleixo, amiga, confidente e costureira da artista durante 40 anos (a Moda Moda publicou em Dezembro de 2015 uma extensa entrevista a esta senhora, hoje com 97 anos plenos de lucidez e vitalidade), de Maria Amélia Passanha Guedes, amiga de meio século, da pintora Maluda, do poeta David Mourão Ferreira .
Nos últimos anos, a fadista passou a encurtar os serões, a fascinar-se menos com os intelectuais. Deixou praticamente de ler. Apenas se ouvia a si mesmo, através de discos dos anos 40 a 80, quando a voz tinha, intacta, toda a sua prodigiosa extensão e profundidade.
O desaparecimento dos amigos e familiares, sobretudo do marido, engenheiro César Seabra, em 1997, e de Maluda, no inicio de 1999, acabrunharam-na. Deixou de cantar em 1994, por motivos de saúde, mas frequentemente ensaiava com os guitarristas. Aos poucos, perdeu vivacidade, ironia e desejo. Passou a deslocar-se essencialmente, entre Lisboa e o Alentejo, onde possuía uma propriedade frente ao mar.
Imortalidade
A vertigem da imortalidade levou Amália Rodrigues a instituir uma fundação na casa-museu com o seu nome, para quando desaparecesse. Fez, em 1997, um testamento em segredo, depois da morte do marido. Os direitos de autor ficaram para 4 dos 7 sobrinhos, a casa de São Bento, a pequena herdade do Brejão, os andares de Lisboa, um terreno rústico na Ericeira, um 1/3 de uma farmácia na Anadia, e um milhão de euros revertiram para a sua fundação. O vasto património móvel, onde se destacam obras de arte, um núcleo de jóias, e um enorme guarda-roupa ficaram na casa-museu. Os mais desfavorecidos não foram esquecidos, incumbindo a fundação de apoiar um centro de saúde no Brejão e a Apoiarte.
A Casa-Museu Amália Rodrigues abriu ao público em 2001, mantendo praticamente intacto os interiores. Por motivos museológicos foram instalados sistemas de segurança, acrílicos para proteger peças de dimensões reduzidas, vitrinas para expor jóias de fantasia. A zona do rés-do chão foi transformada numa loja-portaria e numa sala dedicada à carreira de Amália, com cafetaria-restaurante. Na actualidade, e por iniciativa do engenheiro António Campos, administrador, a casa conheceu nova vitalidade. Foram abertas três salas em antigas zonas de serviço, dedicadas a poetas que a fadista cantou, e a Ilda Aleixo que vestiu a artista durante quatro décadas. O acervo tem vindo a ser estudado e divulgado, revelando-se a sua preservação uma preocupação constante.
Breve roteiro
Dada a inexistência de um roteiro da Casa-Museu Amália Rodrigues (o visitante tem somente um folheto) podemos sugeri-lo para os leitores daModa &Moda.
HALL – Mesa de encostar e par de cadeiras D. José, canapé Luís XVI, arcas portuguesas seiscentistas, cadeira em couro, tapeçaria “Verdure” francesa, tapetes persas, Companhia das Índias e retratos de Amália por Pedro Leitão e Luís Pinto Coelho
SALÃO – Par de cómodas francesas assinadas; canapé e cadeiras do Piemonte do século XVIII, mesa de encostar D. João V/D. José, contador português do século XVII, quatro telas com “Estações do Ano” da escola flamenga seiscentista, Companhia das Índias (pratos com brasões portugueses e par de potes “blue powder”), guitarra decorada com embutidos de madrepérola, marfim, minas novas, granadas e turquesas provavelmente do século XVII, busto de Amália de Joaquim Valente e retrato da artista da autoria de Eduardo Malta - o estudo encontra-se no Museu do Caramulo.
SALA DE JANTAR - Paredes decoradas com frescos de Bazaliza, mobiliário inglês oitocentista, travessas da Companhia das Índias, pratas portuguesas, “Paisagem com ruínas e figuras humanas” do pintor francês Claudot, “Vista de Lisboa” de Maluda.
QUARTO DE VESTIR – Mesa inglesa oitocentista, pinturas de Menez, Cesariny, vidros portugueses e da Boemia; retratos de Amália, destacando-se um desenho de Pedro Leitão.
QUARTO - Oratório português do século XVII com portas pintadas, óleos com “Sagrada Família com Menino” e “Nossa Senhora do Carmo” da escola portuguesa, Cristo em marfim, mesas de jogo oitocentistas, toucador império, cómoda portuguesa D. Maria (adquirida nos Anos 80 no antiquário de Vicente da Câmara) e tapetes orientais.
A directora da Moda & Moda, Marionela Gusmão, teve muitos contactos com Amália Rodrigues, especialmente em 1976, ano em que a mais internacional de todas as fadistas portuguesas actuou em Cannes a convite da RTP, que nesse ano ensaiava os primeiros passos no MIP TV para vender a produção nacional. Infelizmente, Marionela adoeceu durante seis meses e quando regressou ao trabalho à R.T.P. viu que todo o trabalho que havia realizado em Cannes estava acantonado, sem qualquer andamento. No seu lugar estava uma mulher que ela nem quis repetir o nome, casada com um pobre homem que estava como realizador, após um curso de três semanas em Inglaterra. O curioso é que for Marionela que tinha conseguido que o Director Geral da R.T.P., Prof. Engº. Carlos Barradas da Silva, um dos muitos saneados apesar de ser um grande profissional, desse a licença para a RTP custear esse mini-curso.
Actualmente é, pela estima que unia Amália a Marionela que a saudosa fadista regressa à Moda & Moda com as fotos do igualmente saudoso Paulo Gomes da Silva sob a supervisão do actual director de arte José Luís Teixeira.
A Moda & Moda está sempre com Amália, porque aprecia o que é português e muito bom.
António Brás
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AMÁLIA A ALMA DO FADO
Na minha colecção
A propósito do artigo que o nosso colaborador Dr. António Brás escreveu para esta revista, senti que era um bom momento de dar a conhecer aos nossos leitores, o meu privilégio de ter contactado com Amália, numa acção que lhe deu maior visibilidade e em que a RTP se afirmou como uma televisão de bom nível.
Amália foi a fadista que me emocionava e com quem estive em várias ocasiões, em alegre convívio.
Desde pequena que a escutava, que sabia os seus fados de cor e que os cantava para o meu círculo de amizades, sem qualquer pretensão. Sempre gostei de cantar e de dançar. Mas, na vida, tudo tem um tempo e a minha voz já não tem a tessitura suficiente para cantar como em jovem e até à morte do meu marido o fazia. Depois, a minha vida mudou tanto que até perdi a vontade de cantar e quando o faço é sozinha, em minha casa. O meu espirito de coleccionadora, levou-me a reunir tudo o que se relacionava com Amália (programas, fotos, discos…)
Sou uma “Amaliana” confessa.
Deus deu-me grandes oportunidades na minha vida, talvez para compensar os grandes desgostos e contratempos que vivi.
O desdobrável que trago agora, reporta-se ao ano de 1977. O texto em francês foi escrito por mim e o texto em inglês é uma tradução da qual não sou responsável.
Nessa noite de 26 de Abril comovi-me até às lágrimas, abraçada ao meu saudoso amigo Luís Andrade que fazia parte da Comitiva.
Foi talvez o espectáculo que mais me emocionou em toda a minha vida, talvez por o meu envolvimento profissional ter sido muito intenso. Já a partir de Lisboa tinha conseguido convencer o Instituto do Vinho do Porto a oferecer as garrafas suficientes para um “Porto de Honra” a todos os convidados. E demos. E a RTP não pagou um cêntimo nem pelo vinho do Porto com 25 anos, nem pelos queijos da Serra de Estrela que nos foram oferecidos.
Foi talvez um bocadinho de ousadia levar para França queijos portugueses, mas a nossa embaixada representava o nosso país.
Na plateia estavam cerca de 900 convidados, quase todos representantes das várias televisões do mundo inteiro, pois é no MIP que todos vão comprar as séries e os filmes que apresentam nas suas televisões.
Nesse ano, a RTP teve pela primeira vez o seu Stand, comigo a atender os que se aproximavam, e com a Manuela Furtado na chefia, no Hotel.
No final do espectáculo, onde Amália foi inexcedível, ensopei os meus dois pequenos lenços, que tinha na minha malinha de noite, com o suor em bica da nossa “Voz do Fado”. Amália escreveu no Programa/Convite, as seguintes palavras: “PARA A MARIONELA COM UM XI-CORAÇÃO DA AMÁLIA.
No dia seguinte, Portugal foi notícia elogiosa de primeira página em todos os jornais franceses que se vendiam em Cannes.
Ora, interrogar-se-ão os leitores: que motivou a RTP a ser assim tão generosa? Simples, muito simples. A RTP tinha programado fazer um filme de Amália e rodar outros para venda em Cannes. A mim cabia-me um papel interessante, mas quando regressei a Lisboa adoeci e levei seis meses a recuperar. Entretanto, uma ave de rapina, sem qualquer experiência ocupou o meu lugar, mas como só toca viola quem tem unhas, tudo aquilo derrapou sem se ter feito nada. Lá se foram por água abaixo os meus contactos e juntamente a realização do filme do Luís Andrade que estava programado.
Uma casa de Orates, diria a minha avó.
Quando regressei da minha baixa médica, meteram-me num andar e mandaram-me fazer a TV Guia. Eu já tinha dado algumas provas na revista GENTE, de que a RTP detinha 50% do capital e na Tele Semana que era da RTP e da Movierecord e fiz os possíveis e os impossíveis para que a TV Guia vencesse. E vendeu. Vendia 382.000 exemplares por semana até à minha permanência naquele meio de comunicação. Foi um grande desafio. Interessante ainda, é de referir, que os clientes pagavam 30% de taxa de colocação para ficar junto dos meus artigos. E esta?
Depois, entrou para lá um sujeito daquele grupo de Macau, muito estranho, e como não gosto de ser mandada por quem sabe menos do que eu, sai airosa deixando a minha adorada TV Guia no lugar que mereceu. Foi vendida por um euro ao Grupo da Cofina. O que é que se esperava?
De nada serviu Amália ter enchido o Casino Municipal de Cannes nem os grandes aplausos dos convidados de todo mundo.
A RTP continua a não ser bem governada, a desrespeitar os que não são das cores políticas ou nem querem saber disso, e é uma pena.
Liguei-me ao mundo da televisão através do Sr. Engº. Carlos Barradas, um director-geral a sério. Decorria o ano de 1966. E onze anos depois perdi, por uma doença, um lugar que eu teria desempenhado a bem da RTP e do país. Não vou chorar por isso. Tenho concretizado outros projectos que muito me têm agradado e estou muito agradecida a Deus por tudo o que me tem oferecido.
M.G.