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O Presépio da Capela da Nossa Senhora do Monte e São Gens de Lisboa

O Presépio da Capela da Nossa Senhora do Monte e São Gens de Lisboa

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O tema do nascimento de Jesus é dos mais representados e apreciados na Arte Ocidental. Em Portugal, os presépios constituem uma das manifestações mais características da nossa religiosidade. Os primeiros remontam pelo menos ao século XVI, como o do Mosteiro de Santa Catarina da Carnota, e tiveram o seu ponto alto nos séculos XVIII e XIX. São tão apreciados por todos os portugueses que ainda hoje estão enraizados na Cultura Nacional, ao ponto de poucos o dispensarem nesta época natalícia.  

Mais ou menos extensos e cenográficos, com ou sem várias cenas representadas e inseridos ou não numa maquineta interiormente decorada, são normalmente executados em barro cozido policromado e estofado. Tanto podiam existir em mosteiros e igrejas, como em casas particulares. 

A Capela da Nossa Senhora do Monte e de São Gens, em Lisboa, também tem um e de grandes dimensões. Datável de meados do século XVIII, está localizado à esquerda de quem entra pela porta principal. Tal como acontecia nos presépios do Mosteiro da Madre de Deus de Xabregas e de Santa Teresa de Carnide, este presépio tinha umas portas que apenas se abriam em dias festivos.

Muito pouco se sabe sobre este presépio e raramente aparece referido na bibliografia, tanto específica como generalista. É uma incógnita na História da Arte Portuguesa que carece urgentemente de um estudo específico e profundo.

Não sendo fácil atribuir autorias aos presépios, é possível observar aproximações com alguns outros conhecidos e documentados. As semelhanças deste presépio aos executados por António Ferreira (*c. 1659-depois de 1742) são claras, mas não ao ponto de se concluir que tenha sido executado por este escultor, tal como aparece referido em algumas fontes. Contudo, é certo que o autor deste presépio conhecia muito bem a obra de António Ferreira e do seu pai, Dionísio Ferreira, outro presepista, e seguiu a sua linha artística. Seria por isso certamente um antigo colaborador de ambos ou de um deles, cujo nome ainda se desconhece.

Muitas destas peças são de grande qualidade e bem características de António Ferreira, como os cavalos musculados e montados por cavaleiros de capas esvoaçantes, o anjo esguio e de peito meio descoberto, a mulher amamentando o filho ou a manjedoura de troncos.

António Ferreira, o Ferreirinha de Chelas, por ali morar, tornou-se no melhor imaginário de presépios da sua época. Ele e o seu círculo terão sido os autores dos presépios dos mosteiros da Madre de Deus de Xabregas, de Santa Teresa de Carnide, Nossa Senhora do Vale da Misericórdia de Laveiras, Nossa Senhora da Anunciada de Lisboa e da Quinta dos Embrechados, também em Lisboa. Destes ou de outros, existem ainda actualmente peças em museus nacionais e estrangeiros. Com base num documento encontrado recentemente, há autores que levantam a hipótese do presépio da Madre de Deus ter sido executado em 1747 e o presepista ter de nome completo António Ferreira Soares. 

Com o terramoto de 1755, a Capela da Nossa Senhora do Monte e de São Gens ficou muito arruinada e o presépio severamente danificado, tendo-se perdido muitas peças. Apesar da igreja ter sido reedificada dois anos depois, o restauro do presépio apenas seria finalizado no Natal de 1823 e custeado por subscrição publica, segundo o ‘Anúncio’ publicado na Gazeta de Lisboa pelo capelão da ermida. Neste momento, várias das figuras perdidas foram substituídas por outras, de menor qualidade, e as danificadas restauradas, originando uma composição desequilibrada. Muitas destas pequenas figuras acrescentadas são notoriamente avulsas compradas nos muitos estabelecimentos comerciais oitocentistas da especialidade.

A notória falta de peças e a alteração de posição de algumas das restantes dificultam a interpretação do presépio. Contudo e no geral não deixa de ter uma estrutura tradicional. Ao cimo, do lado esquerdo, temos o Anúncio aos Pastores, uma cena bem característica dos presépios portugueses. Da porta das muralhas de Jerusalém, também lá no cimo, sai uma numerosa caravana de cavalos e um elefante. Por todas as elevações montanhosas, existem camponeses espalhados nas duas lides. Cá em baixo, na gruta de Belém, está a tradicional Natividade, rodeada por vários populares a adorar o Menino.

O tratamento de Conservação e Restauro

Urgia então tratar deste magnífico e esquecido presépio, mas com uma atenção especial na escolha dos intervenientes. Tendo a capela sido classificada como Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 23421, de 28 de Dezembro de 1933, pelo Decreto-Lei n.º 140/2009, de 16 de Junho, todas e quaisquer intervenções de Conservação e Restauro dos seus bens culturais são da responsabilidade de um conservador-restaurador devidamente qualificado e experiente, isto é com cinco anos de formação superior especificamente em Conservação e Restauro e outros cinco anos de experiência.

Há que remover a densa camada de sujidade que cobre as figuras, pingos de cera que escorrem, fixar policromias, colar partes fracturadas, integrar cromaticamente algumas lacunas da policromia e corrigir restauros antigos. 

As montanhas devem seguir o mesmo caminho, com uma limpeza profunda e a remoção de elementos externos. Por outro lado, o céu tem fracturas e lacunas de estuque que importam ser urgentemente tratados.

Depois de um estudo, a recolocação das peças nos seus locais originais é fundamental, de modo a que a composição ganhe maior harmonia e uma melhor leitura. 

Se a colocação de uma grade de malha apertada foi fundamental para evitar danos e roubos de peças, esta devia agora ser substituída por um vidro, de modo a que o presépio possa ser devidamente apreciado pelos crentes e os visitantes do mais belo miradouro de Lisboa onde está situada esta capela carregada de história.

Com os primeiros donativos, algumas peças já começaram a ser tratadas, como o Rei Mago Baltazar, mas espera-se que todas as outras lhes sigam.

 

André Varela Remígio

Conservador-restaurador (UNL)
Santo André – Conservação e Restauro de Bens Culturais

avremigio@xsantoandre.pt

 

Agradecimentos

Alexandre Nobre Pais, director do Museu Nacional do Azulejo e especialista em presépios portugueses, Maria João Vilhena, conservadora da colecção de Escultura do Museu Nacional de Arte Antiga, e Rui Manuel Mesquita Mendes, investigador.

 

Bibliografia

‘Anúncio’, in Gazeta de Lisboa, 280, 26 de Novembro de 1823, p. 1752.

Leal, Joaquim José da Silva Mendes, Descripção Historica da Ermida de Nossa Senhora do Monte e S. Gens…, Imprensa Comercial, Lisboa, 1860.

Mendes, Rui Manuel Mesquita, ‘Novos contributos para a história da escultura religiosa em Lisboa (séculos XVI, XVII e XVIII)’, in Invenire: Revista de Bens Culturais da Igreja, 14 (Jan.-Jun, 2017), pp. 6-22.

Nobre Pais, Alexandre, ‘Presépios Portugueses. A Noite Obscura da História’, in Esculturas de Género, Presépio e Naturalismo em Portugal, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, 2010.

Nobre Pais, Alexandre, ‘O Presépio’, in O Presépio da Madre de Deus, Museu Nacional do Azulejo, Lisboa, 2003.

Nobre Pais, Alexandre, O Presépio em Portugal, Caleidoscópio, Lisboa, 2007.

Nobre Pais, Alexandre, ‘Testemunhos de Silêncio. Dionísio e António Ferreira no Ciclo dos Presépios portugueses’, in Revelações, O Presépio de Santa Teresa de Carnide, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, 2011.

Miradouro Senhora do Monte à Graça

Capela da Nossa Senhora do Monte e São Gens

vista interior da Capela

Cadeira de São Gens, em pedra

Capela da Nossa Senhora do Monte e São Gens

Numa das colinas de Lisboa, detentora de deslumbrante vista panorâmica, localiza-se a secular Capela dedicada inicialmente a São Gens, lendário Bispo de Lisboa e, mais tarde, a Nossa Senhora do Monte.

Após longos anos de decadência, o templo tornou-se  objecto de extenso restauro. O telhado foi substituído e as paredes, portas e janelas restauradas e pintadas. 

No interior deram-se grandes alterações e valorizações. Os altares foram limpos e valorizados, as paredes pintadas, a rede eléctrica substituída, os bancos recuperados, enquanto toalhas e panos de porta eram encomendados para substituíram os exemplares perdidos. 

As zonas reservadas, constituídas pela sacristia e diversas salas - onde se guarda um  extenso acervo – foram igualmente alvo de limpeza, restauro e valorização. 

As inúmeras vestes de Nossa Senhora encontram-se agora num armário especial, e o vasto conjunto de paramentos em dois locais, tendo sido adquirindo um roupeiro romântico para a sua preservação.

“Quando aqui chegamos estava tudo um pouco abandonado. Foi necessário limpar, recuperar e arrumar tudo“, revela – nos Ana Pais, uma das voluntárias.

“Os paramentos tinham anos de pó e mofo. Foram estendidos, limpos e guardados com todo o cuidado em gavetas próprias. As imagens antigas encontravam-se no coro alto tendo sido preparadas por mim e pelo meu primo Carlos Pessoa”, frisa-nos. 

Durante esse período um conjunto  de imaginária religiosa,  peças em faiança antiga de 1800 e um conjunto de tocheiros em talha dourada foram restaurados e convenientemente expostos.

A célebre cadeira de São Gens,  secular nas romagens de Senhoras em Esperanças ou em Transe de Parto (inclusivé da Rainha Dona Mariana Vitória, mulher de D. João V) foi valorizada com uma porta em vidro. Anteriormente estava quase escondida por uma antiga porta em castanho. 

A cadeira onde o bispo de Lisboa se sentava, datada do século IV e valorizada no XVII com um espaldar e azulejos, em pedra, lioz e mármore, assemelha-se a um verdadeiro, impressionante trono.

 

Local vivo

A Capela de Nossa Senhora do Monte continua local de profunda fé. Às terças reza-se missa  às 19 horas e ao domingo às 09h30.

A Capela, original  do século IV, foi profundamente danificada pelo terramoto de 1755 sendo reconstruída pouco depois. O projecto, desenhado em 1786 por Honorato José Correia, nunca foi executado.

Ela está dependente, desde 1291, do Eremitério dos Agostinhos Descalços sedeados no Convento da Graça.

A Ermida de Nossa Senhora do Monte é precedida por um alpendre que contem a  porta principal, de finais do século XVII, bem como a porta lateral.

 

Nave única

O templo tem uma nave única, dentro do tipologia barroca, acentuada pela projecção curva do coro. A capela-mor é dominada pelo altar em talha dourada, provavelmente anterior ao terramoto, com caraterísticas D. João V. As colunas torsas, com grinaldas,  festões e  putti,  são apoiadas em mísulas com meninos-atlantes.

Do lados da capela-mor observam-se quatro painéis de azulejos, provavelmente da Fábrica do Rato, representado a Anunciação, a Natividade, a Circuncisão e a Crucificação.

Os tectos, em abobadilha, são cobertos a estuque com pintura ornamental  monocrática, em trompe l'oeil,  que se assemelham ao transepto da Igreja da Graça.

Os dois altares laterais, o do lado da Epístola, pouco profundo, é dedicado a Nossa Senhora  de Fátima, enquanto  o do Evangelho, sob a evocação do Senhor dos Enfermos, imagem que pertenceu a Santo Antão-o-Novo, hoje Hospital de São José, tem a forma de uma capela elevada. Em tempos esta imagem era objecto de grande devoção, os crentes beijavam os pés de Cristo, entrando pelas traseiras do altar, onde existe uma capela com as paredes com frescos e duas escadas de invulgar aspecto cénico.

Perto da entrada, em nicho gradeado, encontra-se o magnífico presépio, agora em restauro, graças a um movimento lançado pela nossa revista, que patrocinou a intervenção inicial do Presépio  . Esse restauro, após o bom acolhimento do Cónego  Jorge Manuel Dias, pároco da Igreja da Graça de quem a capela depende, será executado por André Varela Remígio, que tem restaurado obras de museus, igrejas e colecções privados. O estudo inédito do Presépio, publicado nesta edição, é da autoria do restaurador- conservador.

O adro da Capela de Nossa Senhora do Monte é um dos mais vastos miradouros de Lisboa, onde se desenvolve a cidade desde o Castelo, a Graça, o Monte, a Penha de França, o Tejo, Monsanto e o aeroporto, dando-nos uma excepcional panorâmica do desenvolvimento urbanístico da capital.

António Brás

Capela da Nossa Senhora do Monte I Um Restauro Exemplar

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