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Um Bosh no Porto I A  abertura de um Museu

Guerra Junqueiro, sanguínea de António Carneiro

O poeta, a mulher, a filha e o genro

Visão de Tondale, Bosch

Pormenor da obra de Bosch

Cena de Baile, escola holandesa, século XVII

Sala da faiança portuguesa, Rato e Rocha Soares

Biblioteca

Escritório

Com o desaparecimento da filha do poeta Guerra Junqueiro, em 1974, foi instituída a Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro e Luís Pinto de Mesquita Carvalho, dando-se início ao inventário (e estudo) das suas obras de arte, espalhadas pelas casas do Porto e Lisboa.

Descobre-se, então, uma pintura em muito mau estado de conservação, com superfícies enegrecidas e camadas de vernizes muito estalados. Trata-se de uma “Visão de Tondale”, onde um anjo alado mostra o inferno a um jovem nu com as mãos postas a rezar, sobre paisagens tenebrosas, pontuadas por singulares jogos de escuros e amarelos.

O trabalho do seu restauro inicia-se em 1979, tendo demorado 20 anos, sob a responsabilidade de Maria Fernanda Viana, que conclui estar perante uma obra atribuível a Jerónimo Bosch.

Estudos posteriores de Roger Van Schoute, Monique Van Schoute-Verboomen e Marie-Leopoldine Lievens-de-Waegh, especialistas flamengos, reforçam a conclusão da técnica portuguesa.

A camada pictórica foi analisada por Leopolde Kochaert, no Instituto Real do Património Artístico, em Bruxelas, comprovando-se que os materiais são da época de Bosch e que o suporte, em carvalho, data do século XV.

Abertura do museu

A comissão administrativa da Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro e Luís Pinto de Mesquita Carvalho, constituída por Inês Diogo Costa, António Pinto de Mesquita e Emílio Peres, teve um longo, complexo e duro trabalho.

A instituição herda vastos espólios artísticos e literários praticamente desconhecidos, mas os rendimentos provenientes da Quinta da Batoca, em Barca d`Alva, propriedade composta por 300 hectares de vinha, olival e amendoal, revelavam-se escassos para a sua recuperação.

O apoio da Câmara Municipal do Porto tornou-se, então, fundamental. A edilidade emprestou o Palácio Freire de Andrade - imóvel vasto e bem localizado no centro histórico - onde a fundação instala a sede, realizando obras no edifício e abrindo a musealização das salas a diversos mecenas.

O projecto é finalmente inaugurado em 1999. O público ocorre com invulgar interesse. Na primeira fase são apresentadas a Sala da Doadora, que homenageia Maria Isabel e seu marido, António Augusto Pinto de Mesquita, jurista e ministro da I República. Observam-se fotografias, desenhos, óleos de José Malhoa e uma rara colcha de Urros, exemplar da manufactura, quase extinta, de Freixo de Espada à Cinta, terra natal de Guerra Junqueiro.

A Sala de Jantar evoca um ambiente setecentista, com mobiliário D. José, ourivesaria portuguesa, pratos em faiança seiscentista, e serviços de chá e café de Viana do Castelo datados de 1800.

No Escritório do Poeta, fielmente reconstituído, contemplam-se a secretária (encomendada de propósito pelo poeta), a cadeira, fotografias de família e de grandes vultos das letras, bem como um retrato a óleo de António Carneiro, onde Junqueiro nos surge sorridente e observador.

O átrio abre para a Sala da Biblioteca, hoje catalogada e informatizada, que tem os acervos da família, num total de 7 mil volumes, com uma rara junqueiriana e primeiras edições com dedicatórias.

Em 2001 foi aberta parte do andar nobre, acessível por imponente e austera escadaria em granito.

No patamar, uma vitrine expõe louças de Puento del Arzobispo, exemplares castelhanos influenciados pela majólicas renascentistas de Itália.

A Sala da Faiança Portuguesa é um ponto alto do museu pela raridade, qualidade e diversidade das peças, desde meados do século XVIII até ao final de 1800.

Maria Isabel Guerra Junqueiro era considerada uma conhecedora criteriosa. Ao longo de meio século adquiriu em leilões e antiquários, sobretudo em Lisboa e Porto, faianças do Rato, Rocha Soares (cobrem toda a produção), Coimbra, Juncal, Bica do Sapato, Miragaia, Massarelos, entre outras.

Pintura antiga

A Sala da Pintura Antiga é constituída por obras das escolas catalã, italiana, flamenga e holandesa, dos séculos XVI e XVII, e por uma escultura medieval em alabastro de Nottingham. As pinturas, muito qualificadas, são de cenas religiosas e retratos.

A “Visão de Tondale”, atribuída a Bosch, é naturalmente a obra maior, inclinando-se diversos historiadores para que seja um estudo do “Jardim das Delícias”, hoje no Museu do Prado.

A obra pertenceu à colecção Guerra Junqueiro, tendo transitado após a sua morte, em 1923, para a colecção da filha. Esta abrira, em 1942, com apoios da Câmara do Porto, uma casa-museu dedicada à memória do pai, habitando num dos andares. O acervo é constituído por mobiliário, pratas e faianças portuguesas dos séculos XVII ao XIX, destacando-se faianças de Viana, hispano-árabes e de Delft, porcelanas da China, pratos de Nuremberga, tapeçarias da Flandres, colchas de Urros e uma única pintura sacra espanhola. O acervo foi enriquecido por arte sacra medieval legado pelo poeta ao Museu de Arte Antiga.

Ignorada durante séculos

A “Visão de Tondale” permaneceu completamente ignorada durante séculos. Nos finais de 1800 fora adquirida pelo autor de “Os Simples” em Espanha, e após o seu desaparecimento, ficou guardada num apartamento em Lisboa.

O poeta vendera em 1911, por uma quantia simbólica, um conjunto de 39 óleos, aguarelas e desenhos ao Museu de Arte Antiga. Nesse conjunto existem quadros da escola portuguesa, italiana, flamenga, francesa, catalã e holandesa dos séculos XIX a XVIII.

Anteriormente, em 1908, foram por si transaccionadas duas tábuas de El Greco denominadas “O Apóstolo Santo André” e “Cristo no Jardim das Oliveiras”, hoje expostas no Museu de Belas Artes de Budapeste. Guerra Junqueiro tentara vender essas obras ao Museu Portuense, mas a edilidade respondeu que “já tinha muitas coisas velhas”.

A Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro e Luís Pinto de Mesquita Carvalho abriu em 2002 todo o andar nobre, expondo móveis Dom João V, Dom José e Império, faianças de Delft, porcelanas Ming e Império, pratas nacionais, têxteis e esculturas. Através desse núcleo têm-se um olhar intimista sobre o quotidiano privado da família, apresentando-se desde quartos setecentistas a uma sala de estar oitocentista.

Todo o espólio serviu no dia-a-dia da viúva e filha do escritor. Ambas, viúvas durante décadas, viveram na memória dos respectivos maridos e espólios.

O museu, requintado segundo o gosto português, evoca um clã que se destacou na literatura, na política e no coleccionismo.

 

António Brás

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Museu em Lisboa

A filha de Guerra Junqueiro acalentou o sonho de instituir, em Lisboa, uma casa-museu em memória do pai.

Tratava-se de um palacete do início de 1800, localizado na Rua Silva Carvalho, onde o poeta vivera a partir de 1917 até falecer em 1923.

Nas raras fotografias que restaram pode observar-se um interior com decorações D. Maria, móveis e objectos hoje expostos no Porto.

A casa acabou por ser demolida em 1954. Maria Isabel Guerra Junqueiro escreveu desiludida; “Eu procurei salvar a casa, o senhorio quis destruí-la, a Câmara de Lisboa ficou indiferente, sem querer usar do direito de expropriação por interesse público”.

Exactamente, meio século depois tudo se repete, nas proximidades, com a derradeira casa de Almeida Garrett demolida perante a indiferença dos poderes públicos.

Na actualidade, a Casa Veva de Lima, detentora do acervo artístico e literário da poetisa, está em degradação. O palacete, propriedade do edilidade de Lisboa, tem um dos raros interiores dos Anos do 20 do século passado.

As obras prometidas desde 2018 nunca foram executadas, e a humidade vai tomando conta do imóvel.

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Cristo no Jardim das Oliveiras

 

Pinturas de Guerra Junqueiro

Em 1908, o poeta vendeu a um antiquário francês as tábuas de El Greco denominadas “O Apóstolo Santo André” e “Cristo no Jardim das Oliveiras”, hoje expostas no Museu de Belas Artes de Budapeste. Guerra Junqueiro tentara vender essas obras ao Museu Portuense, mas a edilidade respondeu que “já tinha muitas coisas velhas”.

Anteriormente já vendera faianças ao Conde Ameal, colecção célebre transacionada em 1921, bem como outras espécies em leilão, o Rei Dom Carlos adquiriu tapetes Persas para Vila Viçosa, e a Duquesa de Palmela, D. Maria Luísa, comprou outras espécies.

Ao Museu de Arte Antiga adquiriu-lhe, em 1911, um conjunto de 39 pinturas e aguarelas por uma verba simbólica. Na actualidade, essas obras são fundamentais no núcleo das escolas Catalã e Italiana.

António Brás

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