
Uma Paixão por Perfumes
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Ainda criança já os perfumes me interessavam, talvez por ter crescido numa casa com um enorme jardim onde em grandes canteiros pontuavam a baunilha, o alecrim, a erva Luísa, os cravos, as rosas, as frésias, os narcisos, os amores perfeitos, além de outras inodoras, tais como os jarros, os malvaiscos, a trepadeira “plumbago”,as camélias, as azáleas, os crisântemos que floriam já a recordar o Outono e Dia de Finados. Talez por essa associação, o meu gosto ia muito mais para os “cyclamens” que estavam por detrás das janelas que davam para o jardim, no espaço onde ficava a grande sala de jantar da visitas.
Curiosamente nunca tive orquídeas, nem cactos.
As hortênsias ficavam no quintal por ser mais fresco e não conseguirem sobreviver no jardim, sempre acompanhadas das suas amigas glícinias.
Em compensação tinha, em pleno verão, muitas moitas de malmequeres e de estrelas do Egipto. Sorrateiramente, as violetas faziam-lhes companhia.
Aquele jardim que tinha uma sinfonia de aromas, era tão especial como não conheci nenhum outro. Tinha bancos de pedra, bancos revestidos a azulejos do séc. XVII, e os canteiros submergiam de um chão ladrilhado com todo o aspecto de ser muito antigo. Eu sentia-me nele como num salão de um grande palácio, a céu aberto. Para se perceber melhor, convém realçar que o jardim tinha tres janelas de sacada que davam para uma avenida, a balaustrada era de ferro com reixas de madeira, mas, em via de regra as portadas das janelas estavam quase sempre fechadas, o que transmitia a quem passava a ideia de aquele espaço cobria uma área fechada.
Às vezes deitava-me num dos bancos, especialmente a seguir ao almoço, e entretinha-me a ver as nuvens no céu desenrolarem imagens, ora de grupos de anjos, ora de cavalos, ou de imagens que não conseguia distinguir. No Verão, mal me deitava num dos bancos, o meu gato branco vinha de imediato fazer-me companhia, chamava-se “boneco”. Deitava-se de barriga para cima à espera que eu lhe fizesse festas. Era um bom companheiro, mas adormecia com facilidade.
As minhas divagações a olhar as nuvens, constituiam um passatempo curioso. Quase sempre surgiam cavalos que desapareciam dando lugar a anjos. Naquele tempo que para mim era de recreio, gostava muito de inspirar o aroma da baunilha com as florinhas da erva Luísa. Ao fundo existiam craveiros raiados de rosa e branco e tudo isso para mim representava um pouco do paraíso. Nesse tempo era uma adolescente feliz, depois vinha o mês da férias na praia e lá ia eu para a Fuzeta, onde me agradava estar, mas sentia muito a falta do meu jardim. Por esta pequena descrição se percebe que desde criança me deliciei com os cheiros agradáveis sabendo, instintivamente, diferenciar a elegância senhorial da grosseria burguesa.
Passaram muitos anos, muitas primaveras e verões e fui perdendo o encanto da minha meninice, o encanto do meu jardim onde me tornava poética e fazia ver a vida com o colorido que com o passar do tempo foi esmorecendo.
Já lá vai muito tempo que sai dessa casa que eu adorava, por que naquela cidade não havia futuro, as minhas amigas sonhavam menos do que eu, ambicionavam uns mundos mais pacatos, mais sossegados e por lá ficaram.
Eu vim para Lisboa e perdi o meu jardim. Passei a ter janelas com um ou outro canteiro. Depois casei e tive um pequeno jardim que nada se assemelhava ao jardim da minha infância, mas a minha paixão pelas flores foi-se tornando cada vez mais exigente. Permanece um forte amor às ervilhas de cheiro e os meus familiares e as amigas que sabiam dessa paixão no dia dos meus anos - 30 de Abril - tentavam manter o gosto da minha infância e da minha juventude.
Hoje habito uma casa com uma varanda onde semeio ervilhas de cheiro e neste momento já estão a florir em cores deliciosas, (rosas pastel, brancas, e uma ou outra mais escura). Faltam -me as rosas de Sta. Teresinha que sempre tive no meu jardim grande e muitas outras coisas que me encantavam, aquela envolvência até quase levava a crer que viria a seguir uma carreira ligada aos aromas.
De alguma forma, tive na Moda&Moda uma série de artigos de perfumes que saiam na revista do Natal e sempre fui dando notícias das novidades de cada marca. As instalações da Moda&Moda também terminam num jardim muito diferente daquele que me deu muita paz na minha junventude. Por mais que faça pela sua beleza, até parece que lhe falta amor. Porém, entre isso e o mundo que me envolveu num grande espaço não existe qualquer semelhança. Infelizmente o meu velho jardim já não existe, deu lugar a um prédio e quando vou ao Algarve nem quero olhar para aquele local. Ali nasceu o meu amor pelos perfumes e ali morreu uma parte da minha ingenuidade.
No entanto, agradeço a Deus a graça de me conceder o jardim da Moda&Moda, onde ainda há poucos dias apanhei umas rosas de Santa Teresinha para colocar no meu oratório. Obrigada aos que colaboram comigo e não deixam morrer o jardim do 12 da Rua Braamcamp, em Lisboa. Benditas sejam as flores. Bendito seja Deus!
Marionela Gusmão