
Parque dos Poetas I Um Museu de Escultura
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
Natália Correia
Nos 22 hectares do parque situado em Oeiras, o primeiro existente em Portugal dedicado exclusivamente aos poetas, sobressai a figura de Natália Correia.
De pé, imponente, apoia-se numa tribuna – que tanto pode ser a do Parlamento, como a do Botequim, bar que fundou e onde decorreram durante décadas tertúlias, debates políticos, trocas de ideias, se fizeram governos, projectaram revoluções, lançaram-se utopias.
“A sua estátua foi a que mais trabalho me deu, levei dois meses e meio a concretiza-la”, evoca-nos o escultor Francisco Simões, autor do trabalho em referência.
“Tive o prazer de a conhecer, mas a nossa relação foi sempre formal e respeitosa reciprocamente”, destaca-nos o escultor.
“Enquanto trabalhava na estátua deu-se um fenómeno estranho: comecei a falar com ela e foram conversas extraordinárias. Eu perguntava e respondia a mim mesmo, sem saber como num diálogo de duas personagens distintas. Gerou-se um processo mental em que eu e Natália comunicámos e nos tornámos verdadeiramente amigos, íntimos”.
Depois dessa face, Francisco Simões deixou de ter hesitações e rapidamente corporizou, primeiro em barro, depois em mármore, a alma da poetisa.
Mau Tempo no Cana
Defronte observa-se, por opção do autor, a figura de outro açoriano, “siamês” de Natália: Vitorino Nemésio. O programa “Se Bem me lembro” que o escritor manteve na RTP nos anos 70, serviu de ponto de partida para a estátua que lhe é dedicada. Destacando o seu rosto, coloca-o em cima de uma peanha com ondas verdes - simbolizando o mar do seu romance “Mau Tempo no Canal”. Canal que separa, como se sabe, as ilhas do Faial e do Pico.
Executada em mármore vindo expressamente da Índia, a estátua encontra-se rodeada de nove blocos de pedra que simbolizam as nove ilhas dos Açores”.
Sem idade
Eugénio de Andrade, outro dos 20 poetas seleccionados (Herberto Hélder e Mário Cesariny recusaram-se a sê-lo), encontra-se retratado como um homem sem idade, um Apolo em mármore branco. “Ele veio especialmente do Porto ao meu atelier para apreciar o trabalho que fiz e que aprovou de imediato”, revela o escultor.
Fernando Pessoa está, por seu lado, com porte altivo, elegantemente vestido, de rolo na mão simbolizando a “Mensagem”.
Sophia de Mello Breyner, que não chegou a ver a estátua por motivos de saúde, aparece-nos como uma deusa helénica, dada a sua conhecida veneração pela cultura grega.
Ramos Rosa surge como um homem de idade, de longa capa cinzenta, parecendo carregar toda a solidão que se encontra na sua notável obra.
Os outros poetas representados são, entre outros, Camilo Pessanha, António Feijó, António Nobre, Sá Carneiro, Teixeira de Pascoaes, Florbela Espanca, José Régio, António Gedeão, Miguel Torga, Alexandre O`Neil, Carlos de Oliveira, Ruy Belo, Jorge de Sena, David Mourão Ferreira e Manuel Alegre.
O critério da escolha dos escultores foi da Academia e a Sociedade Nacional de Belas Artes e da Associação Internacional de Críticos. A selecção dos poetas foi, por sua vez, da Sociedade Portuguesa de Autores, das Faculdades de Letras de Lisboa, Porto e Coimbra, da Biblioteca Nacional, da Associação Portuguesa de Escritores, da Universidade Nova de Lisboa e das Embaixadas dos diferentes países de origem dos escritores.
Os trabalhos iniciaram-se em 1999 e só recentemente ficaram concluídos, cada escultura orçou em 55 mil euros. O investimento total foi de 30 milhões de euros.
“A ideia surgiu-me há cerca de 18 anos destinada a uma zona de Lisboa. Foi, no entanto, Isaltino Morais que demonstrou, quando Presidente da Câmara de Oeiras, interesse em avançar com ele. Destinada a ser, inicialmente, uma alameda de poetas, evoluiu por sugestão daquele ex-autarca, para um jardim de poetas”, acrescenta-nos Francisco Simões.
Os 22 hectares aonde se situa eram um inóspito descampado que o arquitecto Caldeira Cabral transformou e arborizou. Nele destacam-se oliveiras, flores, relva, repuxos e, nos empedrados, dezenas de poemas.
“O trabalho obrigou-me a reler toda a obra dos representados, numa perspectiva de captar-lhes a energia e o carácter. Tentei, para lá da estética e da postura, situá-los no seu tempo e na sua vivência quotidiana”, sublinha-nos.
50 poetas
O projecto foi agora concluído, totalizando 60 estátuas representativas dos principais poetas de todas as épocas, a começar no Rei D. Diniz. Essas obras foram entregues a inúmeros artistas, caso de Chartres de Almeida, Zémé, João Cutileiro, Álvaro Carneiro, Fernando Conduto, José Aurélio, José Rodrigues, Irene Vilar, Graça Costa Cabral, Clara Menéres, Cristina Ataide e João Oom.-----. Nos 10 poetas de países de língua portuguesa, destacam-se Drumond de Andrade (Brasil), Agostinho Neto (Angola), Craveirinha (Moçambique) Alda do Espírito Santo (São Tomé) e Alda Lara (Angola).
III fases
Os vinte poetas do século XX que estiveram na génese do Parque dos Poetas estão representados na primeira fase, inaugurada em 2003, em esculturas da autoria de Francisco Simões.
Na segunda fase, concluida em 2013, estão retratados outros 13 poetas, representativos do período compreendido entre os séculos XII e XVII – dos Trovadores aos Poetas da Renascença.
Na terceira parte, terminada em 2019, encontram-se 27 poetas completando-se-se assim o leque de poetas do Barroco ao Romântico (séculos XVIII e XIX) e dos países ou territórios de expressão ou cultura portuguesa.
O parque revela-se um autêntico Museu de Escultura Contemporânea de portuguesa e dos Palop.
António Brás