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O Palácio de Belém na Nossa História

Aspectos exteriores do Palácio de Belém.

Aspectos dos jardins do Palácio de Belém.

Palco de acontecimentos faustosos e trágicos, o Palácio de Belém, um dos mais emblemáticos edifícios da nossa história, resistiu ao longo dos tempos a terramotos, abandonos e vandalismos.

O imóvel, construído nos séculos XVII e XVIII, foi adquirido em 1726 pelo Rei D. João V, destinando-se a residência de Verão. Componha-se, originalmente, de duas áreas distintas: o solar dos Condes de Aveiras e o picadeiro. Relatos da época referem-nos que o conjunto era, no entanto, “simples e desconfortável”. O interior possuía chão de tijoleira, rodapés de azulejo e tectos de abóbada. A família real realiza grandes transformações: decora faustosamente o interior, reconstrói os jardins e lança um novo picadeiro. Em 1755 o Rei D. José, a mulher e as filhas encontram-se no edifício quando ocorre o terramoto que semi-destrói Lisboa. O velho paço sofre danos ligeiros, mas o Rei resolve instalar-se em tendas nos jardins. No ano seguinte muda-se definitivamente para a Ajuda, onde fora edificado um palácio em madeira.

ABANDONADO E VAZIO

Belém fica abandonando e vazio durante décadas, tendo o recheio seguido, devido às invasões francesas, para o Brasil.

Por decisão de D. Maria II, em 1846, as paredes são forradas a seda, os pavimentos revestidos a madeiras preciosas. É aberto um salão de baile.

“Dispersos pelos salões, os homens e as mulheres conversam, em pequenos grupos. Fala-se de política e de literatura, entre outros assuntos menos sérios.”, anota José António Saraiva no livro O Palácio de Belém.

Após a morte da monarca, desenlaces acontecem inesperadamente - a Rainha Estefânia, o Rei D. Pedro V e os príncipes Fernando e João morrem com intervalo de meses.

O novo Rei D. Luís jamais habitará nele, só se deslocando ao picadeiro anexo, onde se entretêm a ver domar os poldros que havia de montar.

O palácio acolhe membros de casas reais de visita a Portugal, caso da Rainha Isabel II de Espanha e do futuro Rei Eduardo VII de Inglaterra.

Em 1889 D. Carlos e D. Amélia reocupam-no, tendo as suas instalações sofrido de novo grandes obras. Alguns tectos e sobre - portas são pintados por Columbano e Malhoa, artistas, então, na moda, construindo-se uma pequena capela.

Os jovens príncipes levam uma vida calma e familiar. D. Amélia dedica-se a pintar aguarelas e a obras de caridade, D. Carlos vai cumprindo as suas funções oficiais. Em 1887 nasce D. Luís Filipe e, dois anos, depois, D. Manuel.

NOTÁVEL PICADEIRO

Após a morte de D. Luís, os novos reis mudam-se para o Palácio das Necessidades e, mais uma vez, Belém fica destinado a residência exclusiva de visitantes ilustres. Nele instala-se o Rei Afonso VIII de Espanha, o Imperador Guilherme II da Alemanha, o presidente Loubet da França.

O velho picadeiro, alvo de algumas obras, torna-se, por iniciativa da Rainha D. Amélia, Museu dos Coches, considerado um dos melhores do mundo.

Com o assassínio de D. Carlos e do seu primogénito, em 1908, Belém é entregue pela casa-real ao Estado. Na noite de 3 de Outubro de 1910 o presidente brasileiro, Hermes da Fonseca, então de visita ao nosso País, oferece um banquete ao anfitrião. Corriam boatos de que se preparava a proclamação da República, e o jantar decorrerá no meio de grande tensão.

Os pratos e os copos eram retirados quase intactos. “O Rei D. Manuel sorria com dificuldade quando tinha que ouvir alguma observação do marechal Hermes da Fonseca, e demorava a resposta, com o espírito afastado dali, preocupado”, descreve Vital Fontes.

PALÁCIO FATÍDICO

De madrugada, o monarca abandona Belém e regressa às Necessidades. Na manhã de 4 de Outubro o edifício sofre vários bombardeamentos, obrigando à fuga apressada de D. Manuel II para Mafra. No dia seguinte embarca na Ericeira, no iate Amélia, com a mãe, a avô e o tio, para o exílio.

Belém, o “palácio fatídico”, segundo relatos da época, fica destinado à sede da Presidência da República.

“A decisão de semelhante transformação foi uma tentativa dos republicanos para apagar a memória dos últimos representantes da dinastia de Bragança”, afirmar-nos-á Maria Guilhermina de Mello, condessa do Cartaxo.

A diversidade, a intensidade das suas funções tornaram o Palácio de Belém um símbolo no mapa geográfico dos poderes do País. Actualmente protagoniza, com frequência, recepções e banquetes oferecidos nos seus requintados salões. As restantes instalações são ocupadas por gabinetes e espaços de serviços administrativos. Conjuntos de armários, secretárias, computadores, cabos e extensões enchem-lhe as salas, salas que no passado ecoaram grandezas e agonias invulgares.

REPÚBLICA

O primeiro político após a República a ocupar a chefia do Estado português tem agora um lugar de honra no Museu da Presidência.

Instalado num anexo (adaptado pelos arquitectos Rui Barreiros Duarte, Ana Paula Pinheiro e Pedro Vaz) no Palácio de Belém, o antigo escritor, historiador, advogado e deputado Teófilo Braga ocupou aquele cargo por duas vezes: de 1910 a 1911, a primeira, e em 1915 (por breves meses), a segunda.

De curta duração, os seus consulados sofreram as crispações da época na sequência da mudança da Monarquia para a República. “Não teremos um presidente com casa civil e militar, com pompas, com palácios. Será apenas um elemento de ponderação do governo”, afirmou ao tomar posse.

DE ELÉCTRICO

Durante esse período, o chefe do Estado continuou a habitar na sua modesta residência na Estrela, deslocando-se inicialmente de eléctrico para Belém. Após diversas pressões acabou por aceitar uma modesta carruagem.

“Chegava ao palácio com ar distraído, sentava-se, e por ali ficava”, escreve Vital Fontes, mordomo da casa real, no livro Servidor de Reis e de Presidentes. “Recebia poucas visitas. Assinava um ou outro decreto, alheado de tudo que não fossem as ideias que trazia na cabeça”. Melancolicamente, exclamava: “Se ao menos tivesse aqui os meus livros ainda podia trabalhar nas minhas coisas, mas não!”

FOLHAS VERDES

Na sua moradia, nas proximidades da Assembleia da República, Teófilo Braga dedicava-se a estudos, sobretudo no domínio da história literária e da filosófica. Entre as suas obras, hoje ultrapassadas, realçam-se “A História do teatro português”, “Poesia popular portuguesa”, “O povo português nos seus costumes, crenças e tradições” e “Traços gerais da filosofia positivista”. Como poeta escreveu “Folhas verdes”, “Visão dos tempos”,” Tempestades sonoras”,” Torrentes e Miragens seculares”.

Nascido em Ponta Delgada em 1843, Teófilo Joaquim Braga veio para a Universidade de Coimbra aos 18 anos, tendo-se formado em Direito.Fixado em Lisboa, dedica-se ao ensino e adere ao Partido Republicano.

Ao longo da vida publicou 88 livros, além de centenas de artigos em jornais, dezenas de prefácios e inúmeras conferências, vindo a falecer a 28 de Janeiro de 1924.

Nunca esqueceu a sua terra natal, à qual dedicou sempre grande carinho, legando-lhe o seu valioso arquivo - que se encontra na Biblioteca Pública de Ponta Delgada.

MANUEL DE ARRIAGA

Outro açoriano, Manuel de Arriaga, constitui outra referência na mostra em causa. Eleito em 1911 Presidente da República, no meio de uma grave crise, viu as incursões monárquicas sucederem-se, a economia nacional ressentir-se e os partidos desentenderem-se gravemente.

Inicia o mandato sem casa, sem dinheiro, sem meios de transporte, sem secretário, sem protocolo, sem conselho de Estado. Aluga um velho palácio próximo do Largo Luís de Camões, compra um automóvel e o seu filho Roque Arriaga torna-se o seu chefe de gabinete. Em 1912 muda-se com a família para Belém, pagando 100 escudos de renda.

O imóvel recupera algum brilho social, com recepções e banquetes, como os comemorativos da proclamação da República e os de homenagem a figuras de relevo.

A I Guerra Mundial agrava a situação do País e o governante abandona o poder em 1915 completamente desiludido com a política.

EXTENSO LODAÇAL

Os chefes de Estado seguintes, Bernardino Machado, Canto e Castro, António José de Almeida, Teixeira Gomes, Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa têm consulados também atribulados. Todos deixam Belém desiludidos com a situação, refugiando-se Bernardino Machado e Teixeira Gomes no exílio. Este último, numa carta a um amigo, confessa que “a lembrança dos dias da presidência raro me acode à memória e, se isso sucede, logo a afasto com tédio, como se tratasse de um extenso lodaçal que atravessei milagrosamente sem nele me afundar”.

Sidónio Pais, o “Presidente–Rei”, como lhe chama Fernando Pessoa, foi uma figura carismática e extremamente popular. Isso não lhe evitou, porém, os ataques de quase todos os partidos, com excepção do Monárquico, e acaba por ser assassinado na Estação do Rossio em 1918. Os seus restos mortais são levados para Belém, onde na Sala Luís XV decorre o velório. As cerimónias fúnebres são acompanhadas por milhares de pessoas vestidas de luto.

ILHA CALMA

Com a revolução de 1926, Belém é ocupado pelo marechal Carmona que se mantêm no poder até falecer em 1951. O palácio transforma-se, segundo José António Saraiva, “numa ilha calma, no meio de um mar várias vezes encapelado”. Craveiro Lopes sucede-lhe até 1958. Neste ano é eleito Américo Tomás que o ocupa até 1974.

Após o 25 de Abril, António de Spínola e Costa Gomes sentam-se na presidência por períodos breves. A eleição do general Ramalho Eanes em 1976 marca o início de um novo período no velho edifício. Por motivos de segurança, o novo presidente e a mulher mudam-se para a residência oficial, que lhe fica anexa. Manuela Eanes decora - a com pinturas, tapeçarias e móveis vindos de museus e palácio. O casal, que tem dois filhos, imprime-lhe uma nova respiração.

Nos anos 80 trabalham no edifício, entre assessores, motoristas, contínuos, serventes e jardineiros, 167 pessoas.

MUDANÇAS LUXUOSAS

O presidente seguinte, Mário Soares, encontra os salões com sedas diluídas , carpetes deterioradas e mobiliário espartano. Restaura (com a ajuda de Maria Barroso) os salões, arranja a sala de jantar, redecora o gabinete e manda ajardinar o pátio.

Ao tornar-se presidente, Jorge Sampaio dá início às maiores transformações experimentadas por Belém. As sedas das paredes são substituídas e os móveis encomendados à Fundação Ricardo Espírito Santo; o ”marchand” Manuel de Brito e a Caixa Geral de Depósitos emprestam pinturas de autores contemporâneos que valorizam o gabinete e a sala do Conselho de Estado. A antiga capela é, entretanto, recuperada para acolher oito telas, com cenas da Anunciação, da autoria de Paula Rego.

MUSEU SINGULAR

O presidente Sampaio resolve fundar um museu para permitir a aproximação do Palácio ao público e proporcionar-lhe um conhecimento da história dos seus diversos inquilinos.

O projecto inicia-se em 2001 envolvendo uma equipa de 20 investigadores. Realizou-se um intenso trabalho de pesquisa e inventário dos espólios que se encontravam dispersos por museus, bibliotecas e particulares.

Nos últimos anos têm vindo, como se sabe, a ser leiloadas pinturas de Sidónio Pais, condecorações de Teixeira Lopes e presentes oferecidos a Américo Thomaz.

Estão tratados um milhão de documentos e duas mil peças, incluindo objectos pessoais, condecorações e o recheio do próprio palácio.

Jorge Sampaio ofereceu o seu arquivo pessoal, um busto de António Duarte e objectos recebidos, o mesmo acontecendo com os presidentes Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa..

Recorde-se que apenas Ramalho Eanes havia feito uma opção semelhante, deixando ficar cerca de 120 peças.

Conseguiram-se valiosas doações e depósitos de familiares de antigos chefes de Estado, como por exemplo o manuscrito do Cancioneiro Português de Teófilo Braga (cujo espólio foi depositado pela Biblioteca de Ponta Delgada), o relógio de bolso do almirante Mendes Cabeçadas usado para cronometrar o bombardeamento do Palácio das Necessidades, as lunetas de Teixeira Gomes, as condecoração e a espada de Gomes da Costa, o arquivo pessoal de Carmona, as fardas de Craveiro Lopes e todos os documentos de Américo Thomaz.

CINCO NÚCLEOS

O museu tem cinco núcleos que englobam: a história da República de 1910 à actualidade, a galeria dos retratos, visita virtual do Palácio, as ordens honoríficas (condecorações e insígnias nacionais); os poderes dos presidentes e as suas actividades.

Têm sido realizadas mostras temporárias sobre os objectos do palácio, as primeiras damas, a história de Teixeira Gomes, de carros desde a caleche de Manuel de Arriaga até ao Rollys Royce de Américo Thomaz, entre outras.

António Brás

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