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O Fado. Pintura de José Malhoa

As Padeiras quadro de José Malhoa.

Clara quadro de José Malhoa.

Milho ao sol quadro de José Malhoa.

O Latoeiro quadro de José Malhoa.

Os Bebados quadro de José Malhoa.

As Promessas quadro de José Malhoa.

Varanda florida quadro de José Malhoa.

José Malhoa

José Malhoa.

O Fado de Malhoa

Apaixonado pelas grandes figuras típicas de Lisboa, o pintor dedicou especial atenção às cantadeiras e guitarristas que povoavam os bairros típicos da cidade. Esse mundo quente e sofrido foi genialmente imortalizado por ele – e imortalizou-o a ele. Para sempre.

 

O mais célebre quadro que Malhoa nos deixou foi “O Fado”, um ex-libris do autor e uma das telas mais populares da pintura portuguesa, de que fez duas versões em 1909 e em 1910. A primeira permaneceu até há poucos meses desconhecida por ter sido levada para o Brasil, em 1975, pelo seu comprador. Na época, a família Felner da Costa vendera-a, juntamente com outro retrato de Malhoa, por dois mil contos (10 mil euros). Foi novamente transaccionada, em 2001, por 250 mil contos (o equivalente a dois milhões e meio de euros) pelo antiquário Florindo Santos ao empresário Vasco Pereira Coutinho, tornando-se, de súbito, numa revelação e numa surpresa gerais.

A segunda, que se pensava única, foi adquirida em 1917 pela Câmara de Lisboa, estando exposta no Museu do Fado.

Os quadros, com uma diferença substancial de tamanho, recriam o ambiente típico das tabernas da Mouraria de então. Neles dominam, como protagonistas de invulgar personalidade, a fadista Adelaide da Facada e o guitarrista Amâncio – seu amante.

 

Insultos

Malhoa passou 35 dias a estudar a Mouraria, onde ficou conhecido pela alcunha de o pintor fino, observando o comportamento das gentes, fixando a natureza do local, memorizando e adquirindo adereços para o seu projecto. Este levou 11 meses a concretizar durante o ano de 1909, pagando o autor seis vinténs por cada sessão, devido às exigências e contingências de Amâncio, frequentemente preso por desordens e alcoolismo. Não autorizou, por exemplo, a amante a baixar o decote, obrigando-a ainda a  aparecer sempre de longa saia vermelha. Apesar da paciência do pintor, os modelos envolviam-se frequentemente em insultos e violência. Malhoa, que havia prometido retratar Amâncio, foi por ele, inclusive, ameaçado de morte se não o fizesse. Fê-lo, pintando-o encostado a uma parede, na qual estava marcada a sangue, a mão do rufia.

Quando conclui O Fado, em 1910, o artista convidou os fadistas, os guitarristas, as rameiras e os rufias da Mouraria para o verem. Em pouco tempo, a elegante moradia, onde habitava na Avenida António Maria d’Avellar, hoje 5 de Outubro, fez-se objecto de autênticas e ruidosas romarias.

“O mestre recebi-as com alegria e satisfação”, relata António Montês, fundador do Museu das Caldas. A vizinhança ficou, naturalmente, chocada com esse “corso carnavalesco”, segundo as gazetas da época.

 

Da Vinci português

Entusiasmado, o pintor expôs a tela no Porto, em Paris e em Buenos Aires. Foi nesta cidade que um português endinheirado a comprou, levando para o Rio de Janeiro, onde ficou até aos Anos 60. Espicaçado pelo negócio, Malhoa fez então, em 1910, uma segunda versão de “O Fado”, que vendeu em 1917 ao município de Lisboa. Repetiria, aliás, esse procedimento com outros trabalhos, caso de “O Emigrante”, tal o êxito e procura.

Figura ímpar da cultura do seu tempo, José Malhoa tornou-se, ainda em vida, numa referência em museus, instituições, palácios, templos de Portugal e do Brasil. A fórmula do seu êxito reside na fixação de usos e costumes do povo, bem como do seu quotidiano tradicional. A nobreza e a alta burguesia apreciava especialmente os seus trabalhos, onde os temas populares iam ao encontro do seu saudosismo pela vida rural.

“Malhoa e o Leonardo Da Vinci dos portugueses”, refere-nos Jean Pierre Blanchon, leiloeiro e especialista em pintura.

Parte substancial da obra do pintor encontra-se no museu que tem o seu nome nas Caldas da Rainha, inaugurado em 1934. O próprio autor ofereceu várias obras a esta instituição, entre as quais o célebre “Retrato da Rainha Dona Leonor”, de que existe outra versão no Museu de São Roque, em Lisboa. Depois da sua morte, ocorrida em 1933, a família entregou ao museu dezenas de óleos, desenhos e objectos pessoais. Ao longo dos anos o acervo não parou de crescer através de legados, doações e aquisições. “A instituição cobre bem a produção do seu patrono, desde os primeiros desenhos às últimas telas”, destaca-nos Paulo Henriques, historiador e antigo director do museu.

 

Encomendas

Ao longo de 63 anos, 1870 a 1933, José Malhoa pintou cerca de duas mil telas, das quais se conhece o paradeiro de algumas. Na sua obra predominam quase 900 retratos – fruto de encomendas. O melhor núcleo preserva-se na Casa dos Patudos, em Alpiarça. Constitui a colecção mais intimista do autor, executada entre 1882 e 1930. “Existem actualmente 29 obras que permitem estabelecer uma forte ligação entre os Relvas, proprietários da quinta, e o artista, frisou-nos Nuno Saldanha, ex-director daquela instituição e autor do catálogo “raisonne” do pintor.

O mercado do Brasil permitiu a José Malhoa um grande desafogo económico. O pintor deslocava-se anualmente à América do sul, onde os seus quadros eram muito apreciados. Aliás, ali encontram-se, obras fundamentais, como “As Cócegas”, “A Procissão” ou o “Barbeiro na aldeia”.

 

Cotação crescente

Nas últimas décadas a cotação de José Malhoa tem subido de forma surpreendente. Em 1996 criou-se grande espectativa na Leiria e Nascimento ao ser licitado o óleo “Varanda Florida” por 120 mil euros. No ano seguinte, as telas “Basta meu pai” e “Dar de beber a quem tem sede atingiram”, respectivamente, 210 mil  e 130 mil euros.  Em 1998 o quadro “Paisagem com horta, casebre e menina”  chegou aos 140 mil euros. Meses depois, “Pedra de sal” fixou-se nos 100 mil.

Em 2000 dá-se uma autêntica explosão de preços: a leiloeira Dinastia vende “O Emigrante” por 265 mil euros. 

Noutro leilão, entretanto efectuado no Rio de Janeiro, a outra versão de “O Emigrante” chegou aos 540 mil euros, tendo sido adquirido por um colecionador português.

No Palácio do Correio-Velho um estudo retratando “Adelaide da Facada” bateu os 210 mil euros.

Outro estudo dessa modelo de Malhoa atingiu os 125 mil euros.

O pastel “Pérola Negra” chegou os 60 mil euros. Encomendado, em 1905, representa a filha do então embaixador do Brasil em Portugal, pela qual o retratista se apaixonou, razão por que nunca entregou a obra.

Mais recentemente “Festejando o São Martinho” ou os “Bêbados” foi vendido por 400 mil euros na Cabral Moncada. Da obra existem duas versões, uma exposta no Museu José Malhoa. 

O quadro, outrora da colecção Azeredo Perdigão, foi adquirido pelo Dr. Mário Roque, proprietário de uma galeria-antiquário em São Bento. 

 

Moda cultural

Coleccionadores privados e públicos, multinacionais, bancos, ministérios, empresas, palácios e museus transformaram Malhoa numa moda cultural. Isso explica os altos valores que os seus quadros não param de atingir. 

“As instituições de prestígio querem ter um quadro seu de qualidade. Enquanto não o conseguirem os preços vão subir”, sublinha-nos Jean Pierre Blanchon.

O quadro “O Fado” tornou-se numa obra-prima da arte portuguesa. Egas Moniz escreveu que ele sintetiza “toda a alma de um povo aventureiro que ama a folia e o desbragamento”. Foi isso que o genial pintor encontrou nas cantadeiras e nos guitarristas dos bairros populares da velha Lisboa.

 

Casas do artista

Ao longo da sua vida, José Vital Branco Malhoa, de seu nome completo, investiu parte substancial dos rendimentos nas casas que mandou construir. Em Lisboa, edificou um confortável palacete, projectado pelo arquitecto Norte Júnior, que ganhou o Prémio Valmor. A moradia, vendida em 1918, alberga actualmente a Casa-Museu Anastácio Gonçalves.

Anos mais tarde, o pintor manda erigir uma casa em Figueiró dos Vinhos, onde aliás vem a morrer. Trata-se de uma residência de campo, confortável mas austera, recentemente adquirida pela edilidade local que a recuperou e valorizou. Na actualidade, alberga um centro cultural, nele têm sido organizadas marcantes exposições, comissariadas pela historiadora Maria de Aires Silveira, sobre a obra do artista. 

Malhoa nasceu nas Caldas da Rainha em 1855. De origens modestas, fixa-se em Lisboa com aprendiz de entalhador. Aconselhado pelo seu mestre, Leandro Braga, matriculou-se na Escola de Belas Artes de Lisboa. Seria o início de uma excepcional carreira que terminaria em 1933.

Catálogo “raisonné”

O historiador Nuno Saldanha estudou demoradamente a obra de José Malhoa, o que resultou num extraordinário catálogo raisonné editado em 2012, pela Scribe. Nele inventariam-se 1219 obras, óleos, desenhos e pasteis executados entre 1867 a 1933.

É o quinto raisonné dedicado a um artista português, anteriormente foram objecto de inventariação Vieira da Silva, Joaquim Rodrigo, Júlio Pomar e Amadeo de Souza-Cardoso.

“A sua produção foi vastíssima e, a vários níveis, excepcionalmente diversificada. (…) Malhoa praticou quase todos os géneros pictóricos possíveis – a Pintura de História, o Retrato, a Paisagem, a Pintura de Género, o Nu, a Natureza-Morta, a Pintura Animalista, e até mesmo a ilustração. Para além disto, mostrou-se igualmente aberto a várias experiências artísticas e estilísticas ao longo da sua carreira, passando pelo Romantismo, Naturalismo, Realismo, Luminismo, Simbolismo, e até certas aproximações ao Impressionismo”, sintetiza Nuno Saldanha.

 

António Brás

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