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No tempo em que éramos islâmicos

PALÁCIO DA VILA DE SINTRA O melhor exemplo da influência islâmica entre nós

CASTELO DE MÉRTOLA Zona única na Europa

ANTIGA MESQUITA Templo árabe (de Idanha-a-Velha) transformado em igreja católica

POÇO-CISTERNA Monumento do século XI, preservado no Museu de Silves

MUSEU ÁRABE EM MÉRTOLA Um polo forte da presença árabe

Começámos, na verdade, a redescobrir as nossas origens islâmicas. Os seus vestígios existem, riquíssimos, originalíssimos, no centro e sul de Portugal. País que nasceu e progrediu em território árabe - islâmico. Para alguns especialistas, como Adalberto Alves, “a reconquista nunca existiu, o que existiu foi uma conquista, uma invasão”. D. Afonso Henriques protegeu, aliás, as populações islâmicas porque eram mais cultas, mais sábias, mais tolerantes do que as cristãs. 

Os reis que precederam a fundação da nacionalidade adoptaram essa tolerância, os cruzados é que não. A realidade tem sido escamoteada sobretudo por motivos religiosos”. 

Em Mértola há anos que se recuperam casas e ruas, se preservam perímetros de burgos e áreas arqueológicas, se reconstituem urbanizações e costumes dessa época.

“Os árabes não ocuparam o nosso território, nós é que o ocupávamos”, lembra aquele escritor. “Nós é que éramos, consoante as circunstâncias, cristãos e islâmicos”, que entre uma coisa e outra não se encontrava contradição.

A cultura, os costumes muçulmanos generalizaram-se no quotidiano das nossas populações, nas ciências, nas técnicas, na língua, nas artes, na música, na cozinha, na literatura. A introdução do papel, deve-se, aliás, a eles, e dos números, e da bússola, e da vela latina, e do astrolábio.

O islamismo moderniza-se e adapta-se ao evoluir dos tempos, daí o seu êxito. “Os cristãos adoptam-no. É, aliás, nos núcleos mais cristianizados que ele se implanta”, afirma Cláudio Torres, o grande responsável pelo campo arqueológico de Mértola. “Não se registam atritos entre cristãos e islâmicos. Há comunidades judaicas que se islamizam, há comunidades árabes que se cristianizam. Um terço da população de Bagdad, por exemplo, é cristã”, pormenoriza.

 

Bagdad, cidade ­-luz

As modas, as influências de Bagdad (a capital do Islão) depressa chegam, nessa época (séculos XI e XII), a Portugal, impondo comportamentos, maneiras de vestir, de escrever, de comerciar, de divertir. Os poderosos do reino adoptam crenças islâmicas, versificam, amam, comem, distraem-se, negoceiam como se versifica, ama, come, distrai, negoceia em Bagdad — então verdadeira «cidade – luz».

 

Mértola é actualmente um dos centros árabes mais importantes da Europa. “O Museu Islâmico, recentemente inaugurado, que contém núcleos únicos da arte árabe”, acrescenta Cláudio Torres. Portugal tem já em funcionamento (abertos ao público) 10 itinerários muçulmanos. “Cada um deles, que demora a percorrer entre um a dois dias, compreende”, especifica o arquitecto Flávio Lopes, “vestígios existentes em zonas como Lisboa, Coimbra, Idanha-a-Velha, Elvas, Mértola, Alcoutim, Faro, Silves, Aljezur e Alcácer do Sal”. Esses vestígios incluem, sobretudo,  museus, antigas mesquitas (convertidas em igrejas), centros urbanos, vestígios arqueológico como lápides, colunas, vasos, vidros, talhas, adornos, moedas e cisternas.

 

Muro de Berlim

A crise desencadeada pelo atentado de Nova Iorque em 2001 e as intervenções no Afeganistão e no Iraque “podem vir a modificar todo o relacionamento com o mundo islâmico”, realça Cláudio Torres. “O Ocidente, que está a criar uma espécie de muro de Berlim, tem que mudar a sua política em relação ao Médio Oriente e Norte de África. Caso contrário, o fundamentalismo crescerá e espalhar-se-á. Marrocos pode ser um dos próximo alvos. O nosso País está em condições de servir de barreira ao racismo, ao anti-arabismo e anti-islamismo, de ser uma alternativa europeia para reabrir contactos com aquele mundo».

“Portugal podia ter-se tornado, após o 25 de Abril”, comenta-nos Cláudio Torres, “um intermediário político privilegiado entre o Ocidente e o Médio Oriente, e ser uma barreira ao exacerbamento do racismo, do anti-arabismo e do anti-islamismo.

António Brás

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