top of page

A Arte do Ouro I 3.000 Anos de Tesouros Chineses

1..jpg

Cerca de 55 jóias em ouro da colecção Mengdiexuan de Betty Lo e Kenneth Chu, estão expostas na L'ÉCOLE Asia Pacific, School of Jewelry Arts, em Hong Kong, até 29 de Agosto de 2021. A mostra:  A Arte do Ouro: 3.000 Anos de Tesouros Chineses, leva os visitantes numa viagem pela história e geografia das jóias ao longo da antiga Rota da Seda.

A exposição está instalada num espaço luminoso projectado pelo arquitecto japonês Sou Fujimoto, e é a terceira exposição este ano da L'ÉCOLE Asia Pacific, School of Jewelry Arts, que destaca a forma como o ouro encantou o mundo durante milénios. Embora as jóias em ouro tenham raízes nas culturas do antigo Egipto e da Mesopotâmia, elas chegaram à China entre 3.000 e 4.000 anos atrás, quando os artesãos percorriam as mesmas rotas que os comerciantes da Rota da Seda. Algumas das peças mais antigas são do norte da China, como um colar em ouro martelado e uma coroa, mostrando a influência distinta do povo nómada, célebre pelo seu ouro e pelos seus cavalos, que se espalharam por toda a Ásia Central até as margens do Mar Negro. Tudo isto se passou na época em que a China foi unificada sob as dinastias Qin e Han, e, ainda, em que o status do ouro era como a personificação de riqueza e de poder.

Betty Lo e Kenneth Chu começaram a coleccionar objectos preciosos há mais de 30 anos na sua galeria em Hollywood Road, uma das ruas mais antigas de Hong Kong e ainda célebre pelos seus antiquários. Quando receberam de presente um espelho de bronze no aniversário de casamento, eles começaram a coleccionar peças em bronze antes que o seu interesse tivesse evoluido para incluir ouro e outros ornamentos de metal precioso no seu acervo.

“Não fomos à caça ao tesouro”, disse Kenneth. Em vez disso, foram atraídos pela criatividade de como as pessoas usavam esses belos objectos. Ao reunir o seu património, eles olharam para a beleza, a autenticidade e a condição de cada material.

 Lo e Chu trabalham em estreita colaboração com académicos e usam exposições como esta, como uma experiência de aprendizagem. Esta mostra é o seu nono acontecimento numa galeria desde 1990.  As suas exposições viajaram pela China continental e à volta do mundo.

A L’École des Arts Joailliers, em Paris, foi fundada em 2012, é apoiada pela Alta Joalharia Maison Van Cleef & Arpels, tem construído uma cultura em torno do conceito de jóias ou savoir-faire. As suas três edições cheias de sucesso antes do lançamento oficial da sua escola em Hong Kong, em 2019 iniciaram cursos, vídeos, livros, palestras e exposições sobre a história da arte da joalharia, o universo das pedras preciosas e “workshops” práticos introdutórios à joalharia.

A mostra: A Arte do Ouro: 3.000 Anos de Tesouros Chineses, salienta o caminho que a joalharia seguiu de oeste para leste utilizando técnicas, como martelar, fundir, filigranar e granulação. O período da Colecção Mengdiexuan, vai desde o final da Dinastia Shang, por volta de 1600 a.C., até à Dinastia Ming, de 1368 a 1644, abrangendo a evolução do ouro como um lugar central na civilização chinesa.

A exposição esteve fechada ao público durante vários meses devido à pandemia do Covid-19, e quebra as barreiras tanto ao tema quanto na apresentação. Esta mostra representa um acontecimento visual, como um brilho de ouro situado na elegante galeria projetcada por Sou Fujimoto para a sede da L'ÉCOLE School of Jewelry Arts em Hong Kong. O espaço tem vista para o Victoria Harbour, com luz filtrada através de vidros brancos estampados, apresentando cada objecto com uma intensidade delicada.

Apesar da sua escala, a exposição é em muitos aspectos revolucionária, oferecendo avanços tanto na abordagem da curadoria como nas revelações da colecção Mengdiexuan exibida. Foi montada pelos coleccionadores Betty Lo e Kenneth Chu, que são casados e sócios nos negócios e no património. A China representa “a cultura do bronze e do jade, e não uma cultura de ouro”, disse Lo. Mas eles descobriram, por meio da sua forma de reunir peças, que a China estava aberta às influências de fora do centro geográfico da China.

A colecção Mengdiexuan começou com um presente de casamento de um espelho de bronze do pai de Lo. Ela e seu marido, no início dos anos 1980, entraram na sua pesquisa de descoberta na metalurgia chinesa e no ouro. Segundo Chu, eles foram atraídos pela criatividade dos objectos de ouro, estimulada pelo facto do ouro ser usado na cultura chinesa principalmente como objectos e ornamentos pessoais. “Não procuramos uma arca do tesouro”, disse ele, à medida que os seus interesses do acervo evoluíram de objectos de bronze para ouro e metais preciosos. “Foi natural e lógico.” Mas também foi um passo para o desconhecido, em comparação com os géneros mais familiares do bronze, jade e porcelana. Existem inúmeros livros e estudos profundos em cada uma dessas peças. As primeiras são consideradas as mais nobres artes plásticas da China. Jóias e ornamentos de ouro, entretanto, eram desconsiderados pela maioria dos especialistas. Isso não conseguiu impedir que Lo e Chu, se tornassem investigadores intensos, enquanto trabalhavam com negociantes e académicos, visitavam museus e, mais de 30 anos, eles próprios tornaram-se os maiores especialistas mundiais no campo da ornamentação do ouro chinês.

Embora tenha havido anteriormente seis exposições individuais da colecção  Mengdiexuan, esta é a primeira a ter uma estrutura curatorial baseada em categorias de ourivesaria: martelar, fundir, filigrana e granulação, reunindo a perspectiva dos objectos  em  ouro, como uma personificação do artesanato.

Essa abordagem também revela a história de como a metalurgia do ouro foi introduzida na cultura chinesa, uma vez que cada uma dessas técnicas chegou à China em momentos diferentes e foram adoptadas em diversas partes da paisagem cultural e geográfica do país. O trabalho em metal dourado foi inicialmente uma importação que reflectia o envolvimento activo da China com culturas estrangeiras. Nas últimas dinastias, entretanto, o ouro integrou-se ao design chinês e tinha pouca semelhança com o ouro da Europa medieval ou renascentista. A iconografia originalmente compartilhava características com o ouro europeu antigo, como animais e cenas de caça, mas na Dinastia Song (960–1279) e na Dinastia Ming (1368–1644), apresentava detalhes comuns às pinturas chinesas, jade e porcelana, como flores, morcegos e dragões.

Lo e Chu construíram o seu património em torno das inspirações das diversas culturas que influenciaram a China ao longo dos milénios, da Mongólia e Tibete e ainda aos antigos nômades Xiongnu. O nome da colecção, Mengdiexuan, que em português é "Pavilhão das Borboletas", faz referência directa a uma anedota de Chuang Tzu. O sábio, místico e contemporâneo de Confúcio, sonhou que era uma borboleta, mas perguntou se possivelmente a borboleta estaria a sonhar com ele. Embora a exposição apresente apenas uma pequena parte da sua colecção, conta uma história, neste caso sobre a diversidade da civilização chinesa primitiva, alguns dos imperadores determinavam o uso de trajes nómadas e usavam jóias em ouro com desenhos que apresentavam as estepes selvagens da Ásia Central.

A introdução da joalharia em ouro na China ocorreu um a dois mil anos após a sua primeira aparição na Ásia Menor, Egipto e Mesopotâmia no quarto e quinto milénios a.C. Nos seus primeiros usos na China, nas dinastias Xia e Shang, um período de quase 1.000 anos de 2079 a 1122 a.C., o ouro foi martelado em folhas e usado principalmente como incrustação decorativa em vasos rituais de bronze que estavam entre os principais símbolos de status e potência. Antes da idade do bronze na China, os objectos de jade ocupavam posição de destaque na sociedade chinesa e, apesar da sua popularidade, o ouro permaneceu como perpétuo e em segundo lugar do jade como símbolo de status ou luxo. À medida que a cultura chinesa se espalhou para além das planícies centrais do norte da China, encontrou pessoas ao norte e oeste que estavam ligadas às culturas distantes do Oriente Médio e do Mediterrâneo, nómada pastoris que explodiram da Ásia Central no primeiro milênio a.C. e começou a moldar a cultura chinesa e também a integrar-se a ela.

A ideia de que os objectos têm as suas próprias histórias para contar está mais associada à antropologia do que à história da arte, onde a estética, proveniência e autenticação têm primazia sobre a intuição e o contexto. A antropologia descompacta as peças para compreender a sua forma e função na sociedade, e a abordagem é particularmente adequada para jóias, uma das formas mais antigas de invenção estética.

Os primeiros exemplares da Arte do Ouro estão entre os mais antigos da exposição e apresentam a técnica de martelar, mas também num período em que a cultura nómada e pastoral dos Xiongnu e de outros pastores e cavaleiros detinham a criatividade chinesa. Os brincos giratórios em placa de ouro da Dinastia Shang eram semelhantes aos brincos do povo Rong-Di da periferia da China, embora encontrados em outros túmulos da época.

De destacar outra peça antiga, como a coroa em ouro associada à nobreza Xiongnu. Estas peças  existiam na China imperial Confucionista, mas migraram para outras partes do mundo “sinocêntrico”, particularmente a península coreana, onde o reino Silla produziu elaboradas coroas douradas que mostram uma ligação visual com os chapéus ornamentais do património Mengdiexuan.

Mas, embora esses exemplares relativamente simples com a técnica de martelar fossem do período inicial das jóias em ouro, na Dinastia Tang (618-907) eles haviam ter sido transformados em peças de grande delicadeza e luxo. Quase metade dos exemplares expostos são martelados de períodos posteriores. Na Dinastia Tang, o ouro passou a representar a virtude e o esplendor divino, o paraíso budista era visto como dourado. E a forma como o ouro era extraído, era observado como uma qualidade do Imperador Tai Zong (598-649), que elogiou o seu ministro por ser capaz de distinguir o “ouro” e refiná-lo. Muitas dessas peças continuavam a contar uma história de contacto com culturas estrangeiras, como torsos e selas de cavalo em forma de bolsa de prata dourada, uma referência aos cavalos Ferghana da Ásia Central que foram uma das primeiras importações importantes da China sob a Dinastia de Tang.

Uma segunda técnica artesanal apresentada na exposição, é a fundição, onde o metal líquido é derramado num molde para criar uma forma, foi intimamente associada à metalurgia do bronze que produziu vasos rituais magníficos da era Shang a Han. De salientar também um adorno em forma de veado inclinado, do século VI ao século V a.C.  o qual se refere directamente à imagem das estepes, assim como ao uso de desenhos exóticos associados a pastores nómadas.

Mas, onde a ourivesaria chinesa atingiu o seu apogeu foi com o fio de ouro e a filigrana, técnicas que se originaram no Mediterrâneo por volta de 2.000 a.C., mas  que se tornaram moda na China durante a dinastia Tang, assim como durante os Song. Há decorações espirais em ouro apresentados na exposição que datam de muito antes, mas na Dinastia Ming, as criações de filigrana em ouro eram usadas para captar a vida e o movimento, como um delicado gancho de cabelo em ouro com um dragão perseguindo uma pérola ou em forma de cigarra em ouro com incrustações de turmalina.

A técnica final apresentada na exposição, a granulação, é um processo de confecção de grânulos de ouro que são usados como decoração, juntamente com incrustações de outros materiais. Entre as jóias de preferência dos colecionadores, sobressai um pente em ouro com incrustações de pedras preciosas, vidro e concha contra um fundo granulado. Além do pente salienta-se uma placa de toucado e outra extremidade do pente em ouro, que apresentam desenhos elaborados em relevo usando granulação. A técnica estava disponível para os artesãos chineses já no período Han Ocidental e esteve na moda desde então até à dinastia Tang, com exemplos como a extremidade do pente em ouro e a placa de toucado. A própria técnica de granulação foi perdida no século XX.

Todo o ambiente do evento atrai o espectador a olhar para as lindas jóias expostas no seu contexto cultural e tecnológico, convidando-o a ver como os “criadores” conceberam exemplares tão delicados e fascinantes. Esta mostra, foi montada com tanta harmonia, afastando-se da curadoria tradicional, apresentando então uma organização admirável, que se inicia com a assinatura atraente das peças e a investigação apurada da natureza do ouro.

 

Theresa Bêco de Lobo

Vista geral da Exposição Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Vista geral da Exposição Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor da Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor das Peças em Ouro na Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor das Peças em Ouro na Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor das Peças em Ouro na Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor das Peças em Ouro na Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor das Peças em Ouro na Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

Pormenor duma das Peças em Ouro na Exposição. Créditos da imagem: Picspark Co. Cortesia Mengdiexuan Collection e Asia Pacific, School of Jewelry Arts, Hong Kong.

bottom of page