O Corpo e a Alma I Escultura Renascentista Italiana de Donatello a Miguel Ângelo
A exposição:” O Corpo e a Alma, Escultura Renascentista Italiana de Donatello a Miguel Ângelo”, inaugurada no dia 22 de Outubro de 2019 no Museu do Louvre, em Paris é, sem dúvida, o grande acontecimento cultural de Outono/ Inverno, já que a mostra se mantém até a 18 de Janeiro de 2021 neste museu.
Esta mostra concentra-se exclusivamente na Escultura Renascentista Italiana, reunindo uma impressionante variedade de desenhos, baixos relevos e esculturas.
A exposição “O Corpo e a Alma, Escultura Renascentista Italiana de Donatello a Miguel Ângelo”, foi organizada pelo Museu do Louvre em conjunto com o Castello Sforzesco em Milão, reúne mais de 150 obras de arte. Ela destaca as principais características do novo estilo de arte que se espalhou pela Itália na segunda metade do Quattrocento (século XV), culminando no início do século XVI, em que o historiador de arte dessa época, Giorgio Vasari descreveu como o "estilo moderno" a época de ouro da Escultura renascentista e da Arte italiana.
Os artistas procuraram formas inovadoras de representar os movimentos do corpo humano, esse desejo de expressar o movimento e emoção foi a base do trabalho dos maiores escultores do período - incluindo Donatello e Miguel Ângelo, dois dos artistas mais célebres da história de arte. No final do século XV, Miguel Ângelo tinha alcançado um domínio da forma, que se reflectiu nos desenhos das figuras dos escravos.
A variedade de obras expostas na mostra ilustra o ideal da criatividade renascentista, representada por muitos artistas notáveis, incluindo Antonio Pollaiolo, Tullio Lombardo, Andrea Riccio e Agostino Busti. Esse escultores trabalharam principalmente na Toscana, Lombardia e Veneza, mas também nas cortes de Urbino, Ferrara e Mântua.
A Escultura do Renascimento italiano
A Escultura do Renascimento italiano compreende o período aproximado entre finais do século XIV e o início do século XVI, quando a escultura italiana expressou uma reacção contra os princípios estéticos do Gótico, assimilando a influência da arte da Antiguidade clássica, do humanismo e do racionalismo, desenvolvendo um estilo que fundiu elementos naturalistas e outros idealistas em proporções variáveis. Depois de ensaios preliminares em Pisa, Siena e outras cidades do centro-norte italiano, o estilo renascentista apareceu nitidamente primeiro em Florença. Alguns autores assinalam o início "oficial" do Renascimento em 1401, data em que foi realizado em Florença um concurso público para a criação das portas em bronze do Baptistério de São João, outros apontam 1408, quando foi encomendado a Donatello e Nanni di Banco um grupo de esculturas de santos para a fachada da Basílica de Santa Maria del Fiore. Seja como for, foi a escultura, a arte em que primeiro se observou a adopção de uma nova estética, e foi uma das artes mais representativas de todo o Renascimento italiano.
Nessa época Florença, já recuperada, passava por um período extremamente favorável à cultura e às artes. Estabelecendo a sua primazia política sobre toda a região, tornou-se um motivo de orgulho cívico para os florentinos erguer monumentos e estatuária na sua cidade, cujo custo era financiado por famílias ricas de banqueiros e comerciantes, entre os quais estavam os Médicis, que ascenderam ao poder político em 1434 e lá permaneceram até 1492. Durante o seu governo, os Médicis patrocinaram todas as actividades artísticas e humanistas que eram associadas com o Renascimento, e o seu palácio tornou-se o centro de cultura mais importante da Itália ao longo do século XIV, atraindo artistas, filósofos, filólogos e outros eruditos. Através das investigações de Poggio Bracciolini pelos mosteiros do Norte, onde encontrou inúmeros textos clássicos considerados perdidos, com influência de outros intelectuais gregos fugidos do Império Bizantino, após a sua queda em mãos turcas em 1453. Os florentinos conheceram uma série de obras literárias e filosóficas da Antiguidade, dando nascimento a uma escola sincrética derivada de várias correntes do pensamento antigo, como o Neoplatonismo, o Hermetismo, o Estoicismo e o Cepticismo, orientada mais à filosofia moral do que à metafísica. Colocando o homem novamente no centro do universo como um ser glorioso, livre, dignificado como a imagem da divindade e o árbitro da Natureza, e formando uma visão nova a respeito de Deus, teve imensa influência sobre a filosofia europeia por muitos séculos. Nessa ressurreição do pensamento grego voltaram a circular os seus ideais referentes à arte, cuja principal característica era vincular a Beleza com as Virtudes morais numa expressão ao mesmo tempo naturalista e idealista. O Belo passou a ser visto como uma das formas de ganhar acesso à contemplação de Deus e da Verdade, e pelo bem da Verdade na arte tornando-se necessário, que os artistas estudassem com grande atenção a anatomia do corpo humano, as leis da perspectiva da proporção e da óptica, os efeitos físicos e psicológicos das cores e da luz, dentro de um espírito que tinha muito de investigação científica e racional. Nesse momento ressurgiu a figura humana e especialmente o nu como os campos preferenciais de exploração artística, enquanto que os personagens sagrados assumiram feições mais humanizadas e poéticas. No final do período Nicolò Machiavelli resumiu-se a visão renascentista a respeito da Antiguidade ao relatar a sua experiência do quotidiano ao estudar na sua biblioteca.
Ao longo do século XV Florença, tornou-se uma referência cultural importante em boa parte do continente e foi o principal centro da Renascença da Itália. Siena, Roma, Milão, Veneza, Nápoles e outras grandes cidades, desenvolveram uma actividade artística significativa e fizeram algumas experiências na direcção do classicismo, ainda de modo geral, presas a estéticas, as quais já pareciam ultrapassadas para os florentinos. Além disso, Florença não só produziu a melhor escultura de todo este período - salvo possivelmente no seu final - como possuía a maior quantidade de obras, e em geral as melhores peças encontradas em outras cidades ou eram produtos importado de Florença ou eram criadas sob a sua influência directa, seja por mestres locais com seus olhos postos no padrão toscano, ou seja por escultores florentinos convidados. As crónicas do século XV dos visitantes estrangeiros não cessaram de louvar a beleza e magnificência da cidade, decorada com uma profusão de monumentos, edifícios públicos requintados e outras obras de arte. O diplomata, Ludovico Carbone disse que ela era"o esplendor e o ornamento de toda a Itália". Para os próprios florentinos, o brilho da sua cidade era um motivo de grande orgulho e um símbolo das suas virtudes cívicas, e o espírito comunal que caracterizou o governo florentino, que se expressou em projectos arquitecturais e esculturais de grande escala, financiados em boa medida por taxação pública.
As principais características da escultura renascentista italiana foram a sua definição como uma das formas de aquisição do conhecimento e como um instrumento de educação ética do público, e a sua preocupação de integrar a oposição entre o interesse pela observação directa da Natureza e os conceitos estéticos idealistas desenvolvidos pelo humanismo. Numa época em que o homem foi colocado no centro do universo, a sua representação assumiu também um papel central, com a consequência de fazer florescer os géneros do nu artístico e do retrato, que desde o fim do Império Romano tinham caído no esquecimento. Também foi retomada a temática mitológica, foi estabelecido um corpo de teoria para legitimar e orientar a arte do período, e foi salientada a estreita associação entre conhecimento teórico e uma rigorosa disciplina de trabalho prático, como a ferramenta indispensável para a criação de uma obra de arte qualificada. A escultura do Renascimento italiano nas suas três primeiras fases foi dominada pela influência da escola da Toscana, cujo foco era Florença, então o maior centro cultural italiano e uma referência para todo o continente europeu. A fase final foi conduzida por Roma, na época em que foi seduzida por um projecto de afirmação da universalidade da autoridade do papado como o herdeiro tanto de São Pedro como do Império Romano.
Para fins práticos este estudo abrangeu o ano de 1527, quando depois de uma série de invasões da Itália por espanhóis, franceses, e alemães, a cidade de Roma foi brutalmente saqueada pelas tropas do Sacro Império. A mudança de equilíbrio político no panorama europeu que esses eventos deram origem, junto com uma drástica queda no optimismo, no racionalismo e na liberalidade artística que caracterizaram a cultura local, e mais o impacto perturbador da Reforma Protestante na atmosfera religiosa, quebrando a unidade do Cristianismo, justificam limitar naquela data o movimento renascentista italiano, ainda que alguns autores o estendam até o início do século XVII. Mas já é uma opinião corrente entre os investigadores, que esta última fase, cujo reflexo nas artes se chamou “Maneirismo”, deve ser descrita de forma independente, por ser em muitos pontos distinta dos valores mais comummente associados com o Renascimento.
Exposição
A mostra: Corpo e Alma vem na sequência da exposição: Primavera do Renascimento de 2013 no Palazzo Strozzi e no Louvre, que destacou a génese da arte renascentista em Florença na primeira metade do Quattrocento, desencadeada pela obra de Donatello, Lorenzo Ghiberti e Luca della Robbia.
A exposição agora patente no Louvre está organizada em três secções principais:
A primeira, chamada Graça e Fúria, apresenta obras de escultores como Antonio Pollaiolo, Francesco di Giorgio Martini e Bertoldo di Giovanni - composições complexas inspiradas em modelos clássicos, com figuras masculinas em movimentos retorcidos transmitindo uma sensação de força física e tensão emocional. Estes contrastam com figuras elegantemente drapeadas (principalmente femininas) com as quais os artistas expressaram a harmonia da forma humana, culminando em representações graciosas de nudez.
A segunda secção, O Poder de Tocar e Convencer
As obras religiosas foram projectadas para mover e inspirar os espectadores. Na sequência das esculturas produzidas por Donatello por volta de 1450, os artistas procuraram retratar sentimentos e emoções. Entre 1450 e 1520, no norte da Itália, foram criadas cenas de grande intensidade emocional - principalmente grupos que retratam a Lamentação de Cristo, como os de Guido Mazzoni e Giovanni Angelo del Maino. O sofrimento religioso também é expresso por muitas figuras de Maria Madalena e São Jerónimo produzidas na Itália nessa época.
A terceira secção, De Dionísio a Apolo
Esta secção mostra como os artistas se inspiraram na Antiguidade ao reinterpretar modelos clássicos como o Spinario e o grupo Laocoonte. A par das mudanças no campo da pintura, com o “estilo doce” (stile dolce) introduzido por Perugino e o jovem Rafael, os escultores procuraram uma nova harmonia, transcendendo o naturalismo dos gestos e das emoções. Essa busca por uma expressão universal de beleza foi particularmente dinâmica - e claramente clássica em inspiração - em Veneza e Lombardia, mas também foi forte na Toscana e Roma, onde os novos estilos se espalharam e se unificaram durante os papados de Júlio II e Leão X.
O estilo dolce culminou no início do século XVI com o surgimento do “sublime”, com uma nova forma de classicismo iniciada por Rafael e Miguel Ângelo. No final do Quattrocento, a harmonia ideal da forma alcançada por Miguel Ângelo abrangia o estudo da anatomia, um ideal de beleza perfeita e um desejo de transcender a natureza por meio da arte. A sua pesquisa levou à criação dos Escravos, agora no Louvre, e suas obras finais transmitem um sentido do inexprimível.
A exposição estende a noção de Renascimento para além da Toscana, situando-a num contexto mais amplo e complexo do que o do início do Quattrocento. O Renascimento concentrou-se em Florença, é claro, com as figuras-chave, como Donatello e Miguel Ângelo, mas também em outros centros regionais que adoptaram a nova linguagem artística. Isso pode ser visto, em particular, na reutilização de modelos e temas, e uma adaptação às tradições locais que resultou em estilos regionais distintos, especialmente no norte da Itália: em Milão (com Solari e Bambaia), Veneza (com Tullio Lombardo), Bolonha (com Guido Mazzoni), Siena (com Francesco di Giorgio Martini) e Pádua (com Andrea Riccio).
Na Mostra, alguns artistas, representam o símbolo da arte renascentista das cidades de Florença, Milão, Veneza, Siena e Pádua. As esculturas em geral herdeiras, através dos artistas italianos, dos essenciais elementos que lhe permitiram entroncar na fecunda arte do humanismo, da forma e da expressão, estão agora em Paris a reviver toda a sua grandeza.
Thereza Bêco de Lobo