
Educação I Professores...

O Ano Lectivo não vai começar bem...
A poucos dias do início do próximo ano lectivo, ainda soam as palavras de João Costa proferidas na conferência de imprensa do dia 12 de Agosto a anunciar, de voz segura e plena de optimismo, que 97,7% dos 13.101 horários pedidos pelas escolas já tinham professores atribuídos, mais exactamente 12.791. Desta forma, e de acordo com o ministro, o ano lectivo começará com praticamente todos os alunos a ter todos os professores necessários. O grave nesta mensagem é que ela não corresponde inteiramente à verdade porque uma cosa são os horários que tiveram autorização para serem pedidos outra, bem diferente, são os que efectivamente irão ser precisos. E por isso, o que João Costa omite é grave até porque só quem domina minimamente o assunto se aperceberá disso. O acesso a uma informação cuidada, completa e honesta é um pilar essencial de um Estado de direito democrático, vale a pena pugnar por esse direito.
Convém então explicar que os horários pedidos em Julho (a que João Costa se refere), não correspondem exactamente aos horários necessários e isto porque houve pedidos para abertura de novas turmas, só posteriormente autorizados, que não foram considerados por imposição do próprio ministério. Para além desta situação importa ainda considerar que não foram na altura contabilizados os docentes que já se sabia se aposentariam depois da data do pedido de horários ou que se aposentarão já em Setembro. Ou seja, mesmo tendo conhecimento da situação de aposentadoria dos docentes e do pedido de novas turmas esses horários não foram considerados livres e consequentemente não foram solicitados professores para os mesmos.
A engenharia não funciona só para a construção civil, já o sabíamos desde que percebemos das manobras na área financeira, agora também ficamos a saber que há mecanismos engenhosos para criar ilusões de pé de barro na Educação. Desta forma “foram atribuídas turmas a milhares de professores (cerca de três mil, pelo menos) que não poderão dar aulas e que, tão pronto quanto o ano se inicie, recorrerão a baixas médicas, que originarão milhares de alunos sem professores” como alerta o professor Santa Castilho.
Se João Costa ainda não tinha a exacta noção de quantos horários ficarão efectivamente por atribuir, por que razão teve a pressa de fantasiar e de apresentar números que ele sabia estarem errados? Porquê esta cultura do fingimento, da maquilhagem, da omissão, das meias palavras e meias informações?
As famílias devem por isso contar com uma quase certeza: o ano lectivo não vai começar bem porque vão faltar professores.
E convém notar que a carência de docentes tem sido um problema para o qual muitas vozes oriundas de quadrantes diversos têm alertado e apontado razões. Alertas sustentados na realidade registada estatisticamente e em estudos que comprovam a pouca atratividade da carreira docente que tem levado ao esvaziamento de candidatos para os cursos para a docência.
Para o vice-presidente da Escola Superior de Educação do Porto, Alexandre Pinto, o número de candidatos para os mestrados para o ensino básico é claramente reduzido.
“Precisávamos de ter mais candidatos e condições de atratividade para a profissão de professor” afirmou recentemente à TSF.
Alexandre Pinto, ainda no âmbito das suas declarações feitas em Novembro passado, explicou que se se olhar para o número de vagas que ficam por preencher a nível nacional para a licenciatura em Educação Básica, "vemos a grande discrepância de recrutamento de jovens para a carreira de professor". O vice-presidente da Escola Superior de Educação do Porto considerou que esta é uma questão de vital importância e que carece de atenção até porque para o académico a causa deste problema que afecta o bom funcionamento do sistema educativo reside, precisamente na pouca “atratividade da carreira de docente no nosso país, que tem perdido o prestígio e que tem cada vez menos candidatos. É muito significativa a baixa procura de cursos de docência no nosso país". A corroborar as palavras do vice-presidente da Escola Superior de Educação do Porto está um relatório da OCDE que aponta para um decréscimo muito significativo de candidatos aos cursos para a docência havendo a registar uma queda de cerca de 70% desde o início do século tendo passado de 51.224 em 2001/ 2002 para 13.781 em 2021.
Sejamos claros, actualmente ser professor significa abraçar uma profissão de riscos vários já que envolve não apenas a possibilidade de ser vítima de violência física e psicológica, mas também a grande possblidade de desenvolver uma de diversas doenças profissionais que não são como tal reconhecidas desamparando legalmente os profissionais afectados. Mas não se trata apenas dos riscos físicos e do desrespeito a que são votados os professores que torna esta profissão repulsiva. Os baixos salários e uma progressão na carreira inaceitável, são fortes razões que afastam os jovens da escolha por esta profissão.
Em Portugal, de acordo com a Portugal Country Note 2021 2, os salários dos professores evidenciam desigualdade e são reduzidos face às elevadas qualificações que exigem. Importa, a propósito, perceber que na generalidade dos países que integram a OCDE, entre 2005 e 2020, os salários de professores com 15 anos de experiência, aumentaram 2% (ensino básico) a 3% (ensino secundário), apesar da crise financeira de 2008, mas em Portugal diminuíram 6%.
Bom, e por fim existe inequivocamente o problema do envelhecimento da classe docente que se traduz em saídas anuais de profissionais que não têm sido compensados com entradas de novos docentes Em Portugal. O Conselho Nacional de Educação estima que até 2030 mais de 50 mil docentes (metade dos existentes actualmente no quadro) poderão aposentar-se. Que plano está a ser preparado em antecipação a este cenário?
A média etária dos professores em Portugal é claramente superior à dos restantes países da OCDE onde em 2019, 33% dos professores do 1º e 2º ciclos tinham 50 anos número que contrasta com os 44% dos professores em Portugal com essa idade.
Em suma, baixos salários, dificuldades e absurdos na progressão na carreira, desvalorização social, falta de apoio e de reconhecimento de doenças profissionais, é o quadro espinhoso em que vivem com sacrifício professores exaustos. Entretanto, uns e outros, os que podem, vão desistindo recorrendo ao atestado ou lançando a mão a reformas antecipadas altamente penalizadas porque já não aguentam mais.
E se dúvidas persistissem sobre a falta de professores, basta pensarmos nas razões que terão levado João Costa a aligeirar as habilitações exigidas para o ensino aumentando assim o leque de potenciais interessados. Aliás sobre esta manobra malabarista já circulam na internet uns simulacros caricaturais sobre o perfil que passa a ser exigido a um professor.
No início do ano voltará o caos da falta de professores, que ninguém duvide. E se nada se fizer e a profissão continuar a representar um calvário de sacrifícios insanos e desrespeito contínuo, o abandono da profissão continuará um dado garantido que nos conduzirá a um tempo em que no lugar do professor estará um grande nada.
Há dois sectores estruturais numa sociedade que não podem ser abalados se não quisermos que o futuro seja comprometido seriamente: são a Saúde a Educação.
Lamentavelmente são, neste momento, dois sectores à beira da ruína e do caos.
Paula Tmóteo