
Educação I Distanciamento sim, mas…




Distanciamento sim, mas…
As estranhas e contraditórias regras na abertura das escolas.
Setembro chegou e partiu e com ele o regresso às aulas cumpriu-se num dos anos mais estranhos de que temos memória. Por isso este regresso não teve o som brilhante dos anos anteriores, nem o entusiasmo que caracteriza, em especial nos mais novos, o retorno aos ritmos escolares. Este ano houve e permanece uma nuvem especialmente carregada de incerteza a pesar sobre os ombros de pais, professores, funcionários e alunos. Setembro de 2020 chegou e partiu com as cores sombrias de um indisfarçável medo que o desconhecimento sempre gera.
Na verdade, todos sentirão que cada vez se entende menos o que se passa à volta da pandemia de 2020 que não dá tréguas nem como tema central das conversas e debates. E esta permanente incompreensão produz níveis de insegurança que os discursos contraditórios vão alimentando.
A Covid 19 tem vindo a galgar o espaço noticioso desde há meses transformando a vida de todos num caldo insano de perplexidade, pânico, confusão, revolta, dúvida e exaustão. As informações e contra informações, as afirmações categóricas e os seus desmentidos não menos musculados, as incoerências e recomendações, maleáveis conforme a vontade e desígnios políticos, têm sido produzidos com destreza e sem freio num exercício demolidor da sanidade mental, manietando emocionalmente quem não consegue descodificar tanta narrativa cruzada em caminhos opostos. E sente-se já um pouco por todo o lado uma indisfarçável revolta e incomodidade.
A perturbação acentua-se quando nos confrontamos com decisões políticas que contrariam as regras impostas por uma DGS que nem sempre aparenta coerência e nos cria a dúvida sobre o seu eventual estranho compromisso com as decisões políticas. Vejamos o que se passa nas escolas e que tem gerado ansiedade e legítima preocupação, relativamente às questões de distanciamento social que têm fundamentado medidas muito restritivas na abertura de espaços públicos ou realização de eventos. Recordemos que a Direção-Geral de Saúde considera que a distância de segurança sanitária entre pessoas deve cumprir 2 metros, porque este vírus transmite-se por disseminação de gotículas respiratórias. Para além desta recomendação também é defendido nas medidas que a DGS divulgou de prevenção para as escolas, que deverão constituir-se pequenos grupos de alunos, devendo estes manter-se juntos nos intervalos. Salienta-se que relativamente às regras de ajuntamento na comunidade, na atual situação de contingência, os grupos não deverão ir além das 10 pessoas. Ora, considerando estas orientações, tudo apontava para que finalmente se concretizasse o que os professores andam há anos a defender ou seja, a redução do número de alunos por turma. Claro que era lamentável que tivesse sido necessário uma pandemia para que uma medida pedagógica a todos os níveis essencial à concretização do que é defendido na teoria, mas que só aparentemente é aplicado, se viesse a concretizar. Infelizmente nem a pandemia conseguiu inverter o caminho cego e surdo de uma desastrosa política educativa que tem marcado a Escola Pública desde há décadas. E é assim que somos confrontados com as caricatas orientações do ME que determinam a seguinte quadratura do círculo: fora das salas de aula o distanciamento de dois metros terá que ser cumprido e até devem ser criados “circuitos de circulação interna que reduzam o cruzamento de pessoas e, assim, o número de contactos entre elas”, mas, ao mesmo tempo, dentro das salas de aula o distanciamento preconizado será apenas de 1 metro e, sublinhe-se, “se tal for possível” ou seja, tudo igual ao de sempre e com os mesmos 30 ou mais alunos de sempre. Sem tirar nem pôr.
Bom será talvez caso para dizer que a estirpe Covid 19 é, certamente, uma estirpe absentista que não quer saber das aulas e por isso dentro das salas está tudo salvaguardado.
A somar a este cenário deveras bizarro temos ainda a surpresa de intervalos de 5 minutos sendo que há escolas onde o aluno é soberano e se quiser permanecer na sala o professor terá que esquecer a ida à casa de banho porque tem que ficar com o jovem, e outras onde a regra é ficar na sala a não ser que o aluno seja um fumador…sim, um fumador a quem tem que se dar a possibilidade de dar corda ao vício.
Bom, o certo é que neste momento, após cerca de duas semanas de aulas, entre professores que se encontram de atestado por pertencerem a grupos de risco (fora do critério idade porque nesse caso seriam em muito maior número) e os que já tombam de exaustão, as escolas já se ressentem com falta de professores e a bolsa de recrutamento de docentes está por um fio.
Por todas as razões este Setembro foi um mês diferente e as próximas semanas serão determinantes para avaliar a capacidade de resistência de professores, alunos e pais, mas também a vontade de se lutar por mais e melhor Escola Pública por mais respeito e mais verdade.
Enquanto a Escola for encarada como um mero espaço de guarda de filhos, um lugar servil a uma teia kafkiana de procedimentos e fingimentos, um sítio onde não se constroem cidadãos comprometidos com a verdade mas habituados ao faz de conta surreal e cómico em que a Escola se transformou, este país não conseguirá erguer-se além dos calcanhares onde permanece.
Ana Paula Timóteo