
Educação I A Escola está a ser honesta?




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Finalmente, 2021! Na História recente da humanidade nunca um novo ano terá sido tão desejado como este após 365 dias de tormenta, que bem sabemos não acabar de forma mágica ao soarem as doze badaladas da meia noite do dia 31 de Dezembro. A pandemia de 2020 que esperamos ter resposta eficaz em 2021, revelou a vulnerabilidade democrática da humanidade porque os vírus e as suas estirpes não selecionam as suas vítimas por critérios sociais ou outros, mas igualmente revelou as lacunas no comportamento social fruto de uma evidente falha na educação cívica e intelectual que se tem vindo a acentuar na sociedade.
Devemos, pois, encarar 2020 como um ano singularmente importante de aprendizagem, evolução pessoal e cívica, de revelação do pior e melhor que a humanidade pode ser e fazer, da percepção do que falta realizar, do longo caminho a cumprir na alteração de hábitos destruidores dos frágeis equilíbrios, no olhar mais atento, crítico e capaz de produzir respostas, mas também deve ser um ano que nos impulsione a reconhecer erros para que estes não se repitam. Por isso, o desejo que ouvimos acerca do ano 2020 como “um ano para esquecer” embora se compreenda, não só seria impossível de concretizar como nem sequer seria desejável que acontecesse. Aprendemos mais com os erros do que imaginamos.
Recentemente a OMS veio alertar que novas e mais graves pandemias poderão surgir e este aviso não causa admiração se pensarmos que parte do comportamento da humanidade é o causador desta entrada na nossa vida de organismos desconhecidos que viviam até há pouco tempo nas entranhas da Terra. Prepararmo-nos cientificamente para dar resposta clínica a outra crise é fundamental, mas não chega. E é aqui que mais uma vez a Educação tem o seu papel central. É absolutamente urgente a mudança de hábitos de consumo para que páre a escalada de abusos ambientais que mais não fazem do que responder ao desenfreado consumismo de bens nomeadamente electrónicos. A título de exemplo diga-se que mensalmente são trocados por mês 10 milhões de telemóveis só na União Europeia. Se pensarmos nos elementos químicos usados nomeadamente o lítio, fácil se torna perceber que estamos a abusar da sorte. Mas não será possível a alteração de comportamentos se a Educação não voltar a fortalecer a sua dimensão ao nível do desenvolvimento da responsabilidade individual, de valorização do conhecimento e do esforço individual para o alcançar, da conquista honesta de resultados, enfim, a Educação tem de reencontrar o seu caminho, um caminho sem tapetes a almofadar as pedras porque são elas que nos obrigam à observação atenta.
A Educação não pára no final da infância nem da juventude. É um contínuo ao longo da vida e pensar que a certa altura da vida é tarde para mudar é um erro crasso, mas é nos primeiros anos, primeiras décadas que se constroem os alicerces, o edifício estrutural do indivíduo, que se forjam os seus valores éticos, a sua visão do mundo, de si próprio e das responsabilidades, deveres e direitos que lhe assistem. Costuma-se dizer que aprendemos mais com os erros do que com o que fazemos de forma correcta, mas será que a Escola e a família está a deixar os seus jovens aprender de facto com erros que não lhe são reconhecidos? Será que andamos a educar bem os nossos jovens? E quanto ao conhecimento e a sua validação? Tem a Escola valorizado a aquisição dos saberes e desenvolvido nos alunos a sua resiliência e honestidade? Como mudar o futuro e prepararmo-nos para desafios que se desenham se não estivermos a conduzir as crianças e jovens no melhor caminho?
Há já muito tempo que o discurso dominante nas escolas relativamente ao processo de avaliação tem vindo a ser contaminado por equívocos e mentiras. Sob a capa de uma narrativa plena de clichés, confunde-se tudo e a inclusão acaba por ser um conceito desvirtuado da sua nobreza para legitimar uma desequilibrada valorização da vertente formativa da avaliação, em nome de um estímulo e valorização de um esforço que na grande maioria das vezes nem sequer existe e o reconhecimento e certificação dos saberes adquiridos e competências desenvolvidas acaba por ser absolutamente menorizado. Os objectivos são sabidos: folhas excel que revelem um sucesso que na realidade é virtual, estatísticas simpáticas, rankings alcançados, números redondos que possam ser bramidos como bandeiras políticas. E nas escolas tudo se afadiga em tabelas, quadros, grelhas, relatórios, fichas de avaliação simplificadas a pontos absurdos, desprezo pelos resultados e maquilhagem dos mesmos.
A pergunta que se coloca é: para que serve então um processo de avaliação que não seja o da validação dos resultados alcançados? Como é que é possível educar um indivíduo no sentido de se superar, de olhar criticamente para o seu percurso, para o que fez e faz tentando melhorar e corrigir, se lhe conferimos uma avaliação do seu trabalho desconforme com a realidade?
A avaliação sumativa extravasa a mera avaliação de conhecimentos. De facto, um professor é mais do que o veiculador de conteúdos e deve diversificar instrumentos pedagógicos dentro do que lhe é possível realizar, exatamente por isso uma das dimensões que lhe compete enquanto agente educativo é a educação para o rigor e para a exigência que deve começar por cada indivíduo, o empenho a conquista de resultados de forma esforçada, o ultrapassar autonomamente desafios. Atribuir de forma global nada menos do que níveis satisfatórios a alunos cuja aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de competências é medíocre, descapacita o discurso anteriormente referido, descaracteriza-o, esvazia-o porque dificilmente os alunos irão entender o que se está a passar.
O desempenho da Escola numa das vertentes mais sensíveis da sua missão tem sido desastrosa e este ano tudo se agudizou. O conceito altamente enganador e errado de que se deve “facilitar” para não prejudicar é demolidor porque nada prejudica mais uma criança ou jovem em formação do que a falsa percepção das suas competências e o não ser habituado a gerir fracassos.
Recentemente foi publicado um estudo que aponta a descida nos últimos 20 anos do nível de inteligência da população mundial contrariando a tendência de aumento registada desde o pós-guerra até final dos anos 90 do século passado. Mais, aponta-se a que esta descida se regista nos países mais desenvolvidos. Ora este facto tem que nos fazer pensar.
Os pais saberão certamente que os níveis que surgiram nas pautas do final do 1º período serão, em muitos casos falsos, enganadores. Agora que o 2º período está prestes a arrancar era uma boa altura para que as famílias se mobilizassem e, ao invés de apontar o dedo ameaçador aos professores exigentes, exigissem da escola mais rigor no processo de avaliação.
2021 chegou, finalmente, dizemos em uníssono. Que seja um ano de viragem a vários níveis para que possamos honrar o Passado e garantir o Futuro com mais e melhor Educação.
Ana Paula Timóteo