
Educação I A História como educadora e a lição de um pequeno país




No passado dia 28 de Novembro cumpriram-se 45 anos desde o dia em que um pequeno território, Timor-Lorosae, localizado na ponta leste de uma pequena ilha a mais de 14 mil kms de um outro pequeno país, Portugal, declarou unilateralmente a sua independência. A declaração encerrava em si um duplo significado: por um lado a desvinculação do estatuto de colónia em relação a Portugal e, por outro, uma afirmação de corajosa rejeição da invasão indonésia que já decorria há largas semanas por via terrestre. Era o grito do Ipiranga de um David perante um Golias.
“Independência ou morte” foi o lema de coragem e determinação que um povo pobre, isolado, dependente do que do exterior lhe pudesse chegar de auxilio, gravou na alma durante 24 anos. Um povo profundamente agarrado a uma fé inabalável em si e num poder divino que reconhece manifestar-se no rio e na árvore, na montanha e nas pedras. Uma fé em Deus que os ajudou a firmar os passos e a cerrar os dentes perante a dor, a fome e a morte.
No livro Colibere, uma obra que dá a conhecer aos jovens timorenses a história da sua libertação através da personagem ficcionada que empresta o título ao romance, Domingos de Sousa, o autor, defende o conhecimento do passado, a transmissão das histórias de que se compõe a mais recente História de Timor para que as gerações actuais, os jovens de hoje não pensem que a liberdade e a paz que desfrutam tenha sido obra do acaso ou uma “oferta gratuita dos deuses” mas sim o fruto de sacrifícios impensáveis, dolorosos, trágicos e “regados com lágrimas de sangue e heroicidade”.
Sublinhe-se este detalhe: Timor-Lorosae é um território que ocupa a metade oriental da ilha de Timor, partilhando-a com a Indonésia à qual pertence a parte ocidental. Para além deste pormenor importante porque o isolamento é mais sentido numa ilha cujo acesso se faz unicamente ou por mar ou por ar, a vizinha Austrália, um gigante que diversas vezes surge referenciado como um continente, foi o 1º país a reconhecer como legítima a ocupação de Timor pela Indonésia e apressou-se a negociar com esta a partilha das riquezas do mar de Timor. E este facto não é um detalhe porque isolados do mundo e ladeados por inimigos, a quem o povo maubere soube perdoar de uma forma que representa mais uma lição, os timorenses não sucumbiram ao desespero, não desistiram e conseguiram o seu objectivo.
Por diversas razões a história de Timor-Leste devia inscrever-se nos currículos de História do nosso ensino básico e secundário para além de escassas linhas ou corridos segundos a que se lhe faz referência nas aulas. E isto porque o povo timorense provou duas coisas extraordinárias que são lições essenciais:
1º Há desígnios que vão além do imediato e do exclusivo conforto individual. Nós apenas somos os guardiões do futuro que não podemos hipotecar e comprometer e por isso devemos unir esforços pelo bem colectivo e pela salvaguarda da herança cultural e ética que deixaremos aos filhos;
2º Nada se consegue sem esforço e o esforço implica sempre, exactamente porque vai além da indolência, uma dose de sacrifício.
Num ano que ficou marcado por uma pandemia que nos apanhou de surpresa e que criou um quadro vivencial marcado pelo absurdo e pela incerteza, é necessário saber relativizar os sacrifícios que são pedidos, porque confinar no conforto de uma casa não se assemelha a um acantonamento na montanha sem alimento e debaixo de bombas. E nem precisamos de ir a tais extremos basta pensar nas assimetrias existentes no nosso país entre os que podem aceder ao aconchego protector de um lar e a indigência sem tecto de muitos que vão arrastando a tristeza nas ruas e fazendo das calçadas a sua casa.
Este, no entanto, também é um tempo propício a perigosas subversões sob o manto justificador da pandemia. Por isso é preciso manter a mente desperta e corajosa para que possamos reflectir sobre tudo o que se apresenta como inevitável e imposto. Mais uma vez a lição do pequeno/grande povo timorense: perante uma Indonésia crente de que a ocupação de Timor seria um “trabalho” concluído em 24 horas, o povo disse Não! e ofereceu-lhe 24 anos de luta com sucesso e continuou a dizer Não! mesmo com os gigantes a dizerem que era inevitável.
Conhecer a História é pois um requisito essencial para a construção de uma humanidade menos egoísta e menos estúpida. A História que interessa saber e entender não é apenas a que nos diz mais directamente respeito, mas a de outros povos que embora possam estar distantes no espaço e somem um menor número demográfico nos conseguem mostrar que não há impossíveis que resistam à resiliência e ao poder de uma forte união.
Talvez valha a pena aproveitar este tempo estranho para desembaciarmos a mente, percebermos o que é importante e qual o nosso objectivo enquanto indivíduos, cidadãos do mundo e construtores do futuro.
Dezembro é o mês do Natal. Pois que seja um tempo de advento de uma nova humanidade mais humanista, mais conhecedora do seu passado, mais capaz de reconhecer os seus erros e mais consciente das suas responsabilidades.
Ana Paula Timóteo