
Educação I Alfabetizar além do alfabeto
Paulo Freire, filósofo e escritor brasileiro, tornou-se um dos Pedagogos mais relevantes de sempre. Com um exercício constante de reflexão profunda sobre as práticas pedagógicas existentes, desenvolveu uma visão crítica sobre as bases da Educação moderna.
Num dos seus artigos, “A importância do ato de ler “, afirma a dada altura que “(…)a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não pode prescindir da continuidade da leitura daquele”. Assim, a essência e o acto primordial da Educação, seja esta realizada no seio familiar ou em contexto escolar, deve ser o desenvolvimento de recursos pessoais que habilitem cada indivíduo a descodificar o mundo para que dele possa efectivamente fazer parte num compromisso construtivista. E esse desígnio é o que nos permite ir além dos signos linguísticos que constituem o alfabeto e conquistar a clarividência necessária à individualidade e independência intelectual.
Para a leitura significativa da informação, apresente-se ela no formato que se apresentar, é, pois, necessário que a teia social não represente uma confusão de meandros encriptados. A incompreensão cava fossos, impede a participação activa dos cidadãos, alimenta conformismos, desalentos e apatias e nada será verdadeiramente entendível e aprofundado sem que tomemos previamente o pulso à Humanidade e nos conectemos com ela. Por isso a Educação formal não pode limitar-se a um desfile de mecanismos e ritos burocráticos que visam apenas simular um sucesso de facto inexistente.
A História da Educação é antiga e marcada por trajectos múltiplos e diferentes quadros conceptuais, mas sempre foi a génese, fundamento e a arquitecta de estruturas sociais, políticas e culturais, responsável pela definição e diferenciação de épocas e sociedades. Se reduzirmos o seu caminho histórico em traços muito minimalistas e numa rápida viagem desde a Antiguidade, podemos começar por distinguir a dicotomia da educação ateniense versus espartana, reconhecendo na primeira o protagonismo dado à retórica, ao conhecimento e à construção do pensamento próprio e na segunda a tónica mais colocada na disciplina militar, no autoritarismo, nos códigos de conduta e no estímulo à competitividade entre alunos.
Mais tarde, a Idade Média pareceu inspirar-se no paradigma espartano enquanto que o Renascimento devolverá à Europa as vozes esquecidas dos filósofos Gregos reabilitando o conceito do racionalismo e da Educação integral e abrangente que alimentaria a crença nas capacidades do Homem e a valorização da curiosidade. O Iluminismo viria a representar a continuidade lógica desta nova concepção do Homem e do mundo e percebeu-se então que a Educação era um assunto que deveria ser definitivamente tratado pelo governo de um país porque é a partir da estrutura educativa que se pode alcançar o projecto de uma nação que se deseja sustentada em cidadãos conscientes, capacitados para o exercício do pensamento e do respeito, vinculados a princípios éticos e comprometidos com o bem.
Chegados aos dias da nossa actualidade, verifica-se que a Educação formal debate-se com um caminho sinuoso, errante, atolado numa série de indecisões, equívocos e sobretudo marcada por uma falta de honestidade e coragem. Criar um cidadão é muito mais do que ensinar a ler, escrever e a reproduzir sem rigor nem entendimento o básico que lhe permite ser um instrumento de trabalho. Perceber que a Educação formal não pode conformar-se com esta pobreza estrutural e concretizar no Projecto Educativo de um país esse entendimento, continua a ser um desafio por abraçar.
Actualmente, a alfabetização da vida obriga a uma maior exigência porque o mundo apresenta-se armadilhado numa teia virtual de canais duvidosos. Precisamos que o ser humano seja dotado de ferramentas intelectuais para desvendar a realidade além da instrumentalização a que diariamente está sujeito.
E esta capacitação não se irá cumprir se a Escola mantiver o seu rumo errático fingindo ser o que de facto não é.
Paula Timóteo