top of page

Educação I “Professora, pode ditar a resposta?”

Na sala de aula

“Professora, pode ditar a resposta?”. A pergunta ecoou do fundo da sala pela voz de uma jovem. A disciplina é História de uma turma do 8ºano, mas podia ter sido em qualquer outra disciplina que o pedido surgiria semelhante. O apelo é acompanhado por anuimentos de cabeças de muitos colegas expectantes pelo ditado da professora. A aula pretendia consolidar um tema abordado em lições anteriores e preparar alunos para a ficha de avaliação que se realizaria na aula seguinte. Sim, na aula seguinte. Por se tratar de um dia de antevisão do teste, tinham sido colocadas questões para serem respondidas por escrito de forma a que os alunos se confrontassem com um discurso diferente do oral e, por isso, exigente de um outro cuidado e preparação. Considerando um cenário, que deveria ser considerado normal, em que os alunos já teriam estudado, as questões deveriam ser, tanto quanto possível, respondidas sem consulta prévia do manual, embora este se mantivesse na mesa de cada aluno disponível para pesquisa de respostas ou confirmar as que, entretanto, já haviam sido elaboradas. Os esclarecimentos e orientações iam sendo dados oralmente e a correcção far-se-ia de igual forma recorrendo à participação dos alunos. Porém, à ordem dada para que começassem a trabalhar, o fenómeno de ver alunos de braços cruzados, recostados na cadeira e em amena conversa uns com os outros tomou lugar ao que deveria ter sido o início do trabalho. Nem todos se mantiveram em modo convivial, mas o cenário era surreal. E foi neste contexto que surgiu a voz do fundo da sala e que não sendo rara e muito menos única, nos deve fazer pensar. Como se chegou a este cenário surreal em que um aluno do 8º ano espera paciente e despudoradamente pela solução ditada pela professora sem que tivesse alinhavado uma só palavra de tentativa de resposta e mantendo, inclusive, o manual fechado?

O que acaba de ser descrito resulta de um modus operandi estudantil que tem alastrado no universo escolar e que tem sido alimentado, digamos aqui claramente, por metodologias (na escola e em casa) facilitadoras e demasiado dirigistas. Cada vez menos autónomos, mais vagarosos e negligentes, os alunos esperam dos professores que estes coloquem na aplicação Classroom os apontamentos e exercícios que deveriam ter sido escritos na aula, pedem que lhes sejam indicadas com exactidão as páginas que precisam estudar no manual, ao invés de se concentrarem nos conteúdos a trabalhar, e assumem que na explicação de final de semana ou no centro de estudos para onde vão diariamente tudo lhes será explicado e por isso não importa o que se vai desenrolando na aula. 

E tudo passa e começa pelos próprios conceitos verbais “facilitar” e “orientar”. Convenhamos que o consenso impera quando se afirma que o processo de ensino deve visar uma aquisição de autonomia e plasticidade de mecanismos de estudo e descoberta, um desenvolvimento de competências de reflexão e construção do saber. Afinal, sabemos que a evolução humana sustenta-se no princípio de uma escadaria em que cada indivíduo acrescenta um pequeno ou grande degrau nesse crescimento. À frase “ninguém inventa nada” podemos sempre contrapor que todos, à partida, reinventam sempre qualquer coisa à semelhança da conhecida máxima transformadora de Lavoisier e é nessa reconstrução que a humanidade se sustenta. Mas para haver reconstrução, reinvenção, soma de pensamento e acção é essencial a aquisição de um saber prévio e de aptidões para a mobilização desses saberes. E não é isto que está a acontecer em grande parte das escolas.

De facto, e apesar de ser consensual a ideia da escola dever ser um viveiro do progresso, já está longe de ser consensual o debate sobre de que forma o deve fazer. E há uma pergunta que se impõe: até quando se deve “pegar pela mão dos discentes” e oferecer soluções sem que as procurem primeiro? Até que ponto devem os manuais continuar a emagrecer textos e engrandecer imagens, cortar informação e dilatar textos plenos de curiosidades?  Até que ponto faz sentido marcar páginas dos manuais para os alunos estudarem quando estamos a falar de 10/ 20 páginas que representam na prática e no total umas 5 de texto? Até que ponto pode ser admissível ditar respostas quando o que se pretende é exactamente a sua formulação individual com o vocabulário do aluno? Einstein defendia a ideia de que se não conseguimos explicar um assunto de forma simples é porque não o percebemos. E é precisamente isso que se trata quando numa aula os alunos são confrontados com questões. Uma resposta é uma explicação sobre um problema. Acontece que os alunos preferem o conforto de reproduzir o modelo de resposta do que o esforço de arriscar uma interpretação, alinhavar uma teoria explicativa. E dá trabalho investir na elaboração correcta (do ponto de vista científico e linguístico) de uma resposta. Por vezes nem se trata de não terem compreendido o tema, apenas de uma resistência ao esforço. Uma inevitabilidade humana, de acordo com o professor Agostinho Silva, e que constantemente temos que vencer.

Que futuros adultos estaremos nós a criar se os levamos ao colo pelos caminhos e atapetamos as pedras para que não cansem os músculos na caminhada? Quando e de que forma irão os nossos jovens crescer?  

Estamos na recta final do primeiro período e uma vez mais o milagre natalício fará a sua aparição nas avaliações da esmagadora maioria das escolas. Um milagre que, operado por humanos que nada entendem de milagres, nada tem de maravilhoso porque não existe benção ungida com falsidade. 

O futuro adivinha-se preocupante e é urgente que os pais percebam que não se compensa a falta de tempo de proximidade com os filhos, validando-lhes a preguiça e perseguindo a escola quando esta tenta ser exigente. E à escola compete não ser refém de medos e mentiras formatadas em folhas de Exel.

Ah, já agora, a professora não ditou a resposta, mas ensinou, uma vez mais a responder.

Paula Timóteo

bottom of page