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25 anos depois do adeus I Os dias portugueses de Diana

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A última noite  de Diana e Carlos aconteceu no quarto ocupado pela princesa no Palácio de Queluz, a 12 de Fevereiro de 1986. O casal havia chegado ao nosso País para uma visita de Estado comemorativa dos seis séculos da Aliança Luso-Americana. Tragicamente desaparecida faz agora 25 anos, Diana era, então uma mulher a caminho da lenda.

Os príncipes de Gales desembarcaram em Lisboa numa tarde de chuva, tipicamente inglesa. Os portugueses acolheram-nos entusiasticamente, movidos pela curiosidade que a “mulher mais fotografada do globo” despertava. Do aeroporto seguiram para Praça do Império onde lhes foram prestadas honras militares.

Aí aconteceu o primeiro incidente: um “Range Rover” (marca inglesa) da GNR avariou-se durante a parada. Foi necessário empurrá-lo. Diana sorriu. Cerca de 150 jornalistas e fotógrafos, vindos de todo o mundo, disparavam freneticamente, enervando, até à inibição, o motorista.

A primeira noite em Portugal foi passada no Palácio de Queluz, onde os dois ficaram em quartos separados, como é hábito protocolar. Diana dormiu numa cama D. José com dossel e Carlos numa cama D. Maria. Foi a última noite de amor entre ambos.

Na manhã seguinte, a princesa levantou-se às sete horas para ir nadar na piscina aquecida dos bombeiros de Agualva-Cacém. Chegou discretamente, uma hora depois, tendo a aguardá-la os responsáveis pela corporação, que Diana cumprimentou informalmente. Em fato de banho e touca, fez meia hora de treinos. Para perpetuar o facto, seria descerrada, pouco depois, uma placa. Quando ela morreu, os bombeiros baptizaram uma ambulância com o seu nome.

No mesmo dia visitou, na Doca de Alcântara, o navio - escola Crioula. Grupos de operários ocorreram a vê-la. Diana acenou-lhes e sorriu-lhes. Um comentou: “Estás a ver como ela liga à malta?”.

Na deslocação às instalações do Lloyds Bank, na Avenida da Liberdade, vendo as centenas de pessoas que a aguardavam, exclamou: “Que gente tão simpática!”.

Sintra recebeu-a com chuva. Diana, que envergara um vestido de meia - estação, foi obrigada a pôr uma gabardine. A população concentrou-se no largo fronteiro ao Palácio da Vila, o mais antigo paço do nosso País, com quase mil anos de história. O casal visitou todo o edifício descerrando, na fachada, uma placa de bronze de António Duarte, comemorativa do casamento do Rei D. João I com Filipa de Lencastre, antepassada da casa - real inglesa.

 

Palavras em francês

Em Belém, os príncipes de Gales foram recebidos por Mário Soares e Maria Barroso, que no anterior tinham visitado oficialmente a Inglaterra.

Na Sala das Bicas, trocaram as primeiras palavras, em francês. Seguiu-se a habitual oferta de presentes. Carlos e Diana receberam dois vasos de jardim em terracota, fabricados na Viúva Lamego (que se encontram hoje no jardim de Highgrove, residência de campo do príncipe), um prato com as armas de D. João I e Filipa de Lencastre que despertou enorme interesse em Diana, além de dois volumes sobre faiança portuguesa dos séculos XVIII e XIX, de Arthur de Sandão. Os visitantes retribuíram com um quadro representando  o Castelo de Bamburgh, da autoria de Peter Greenham, um dos maiores pintores ingleses do século XX.

O banquete com que o Presidente da República os obsequiou, no Palácio da Ajuda, reuniu 120 pessoas. O ambiente, de grande pompa, ia desde as “toilettes” das senhoras às librés dos empregados. Pela primeira vez foi utilizada a baixela Porto Covo, em bronze e cristal, que pertenceu ao conde do mesmo nome. Recorde-se que este aristocrata cedeu, no século XIX, o seu palácio de Lisboa para nele se instalar o comando do exército inglês que interveio na Guerra Peninsular. Mais tarde, em 1937, o governo inglês adquiriu o edifício para sede da sua embaixada em Portugal, que ali funcionou até 1995.

 

Lady Di chegou ao jantar de gala com um vestido azul, que lhe deixava os ombros à mostra, e com uma tiara e brincos em ouro cravejados de diamantes. Uma das pessoas presentes evoca-nos: “Ela ofuscou todas as pessoas. Era muito bonita e agradável. Recordo-me que parou para compor a tiara, com toda a naturalidade, no corredor de acesso à Sala do Trono onde ia receber os cumprimentos”.

Uma das convidadas a quem a princesa dedicou mais atenção foi a Natália Correia. A poetisa exclamaria depois, a amigos: “Esta mulher vai ter um fim trágico. Tem o olhar dos seres marcados pelo destino”.

Os sinais da crise conjugal faziam já sentir-se publicamente. Durante o jantar, Diana  passou o tempo a falar com Cavaco Silva. O ex-primeiro-ministro convidou-a e aos filhos, Willian e Harry, para umas férias na sua moradia no Algarve, o que nunca aconteceu.

Depois do jantar, passaram à Sala dos Embaixadores, a mais fria do palácio, para uma sessão de fados com Luz Sá da Bandeira. A princesa beliscou Mário Soares e puxou-lhe os suspensórios. Quando este lhe perguntou se ela não tinha frio, Diana respondeu: “Se tiver, o senhor aquece-me”. A seguir propôs-lhe: “Vamos dançar para cima das mesas?”.

O então Presidente “achou a maior das graças”, segundo fontes de Belém, “mas ficou um pouco chocado com a imaturidade  (prestou sempre mais atenção aos homens do que às mulheres) dela”.

Nessa noite foi inaugurada uma exposição de jóias do quotidiano da Casa Real portuguesa. Nelas destacava-se uma valiosa moldura com um retrato da Rainha Alexandra, trisavó de Carlos, que a tinha oferecido em 1905 à Rainha Maria Pia. O príncipe gostou muito da mostra, tendo mesmo identificado o retrato de um membro da casa - real inglesa contido noutra moldura.

 

Visitas reais

Os aposentos ocupados por Carlos e Diana em Queluz eram os mesmos que Isabel II e Filipe de Edimburgo utilizaram quando das suas estadias entre nós, em Fevereiro de 1957 e Março de 1985. O palácio foi, então, decorado para o efeito com objectos e obras de arte preciosíssimos.

A primeira chegada a Lisboa da monarca fez-se, por exemplo, a bordo do bergatim-real da antiga corte portuguesa, hoje preservado no Museu de Marinha. Nas ruas da capital, a soberana viajou numa carruagem inglesa oitocentista, do Museu do Coche, puxada por   cavalos, do Terreiro do Paço a Belém. À noite assistiu a uma récita de gala no Teatro de São Carlos na companhia de Salazar.

Na segunda visita, Isabel II preferiu um protocolo mais simplificado. Ramalho e Manuela Eanes foram os anfitriões, tendo a Rainha guardado a maior simpatia por eles. Simpatia que havia começado quando os dois assistiram, representando o nosso País, em Londres, ao casamento do filho com Diana.

Uma das grandes amigas da família real inglesa foi, aliás, a duquesa de Palmela, Maria do Carmo Pinheiro de Mello, embaixatriz na Grã-Bretanha no período da Segunda Guerra Mundial. A Rainha-Mãe manteve até à morte da duquesa, em 1986, correspondência regular com ela.

Isabel II visitou, aliás, em 1957, a Quinta do Calhariz, em Sesimbra, residência de campo da sua amiga, onde almoçou.

A nora da duquesa de Palmela, Maria Teresa Palha, marquesa do Faial, acompanharia, por sua vez, a monarca a um desfile (que a deslumbrou) de 300 cavalos, em Vila Franca. Outra hóspede real dos Palmela foi, em 1959, a princesa Margarida. “Era uma pessoa extremamente divertida, que punha todas as pessoas à vontade”, evoca-nos Maria Teresa Palha.

Em Portugal, a irmã de Isabel II tentou esquecer Peter Townsend, a grande paixão da sua vida, de quem se separara. Este confessaria a Clara d`Ovar (actriz e escritora portuguesa então casada com o multimilionário Peter Rockfeller) que a grande paixão da sua vida era Margarida. “Ele ficou muito magoado com Isabel II por não ter autorizado o casamento devido ao facto de ser divorciado”, pormenorizou-nos a actriz. “Detestava o príncipe Filipe, mas adorava a Rainha-Mãe que lhe retribua. A velha senhora escrevia-lhe agradáveis postais para Paris, onde ele passou a viver e onde morreu”.

 

Pai de Diana no Porto

O pai e a madrasta de Diana, Johnnie e Raine Spencer, estiveram, por sua vez, em 1987, no nosso País, convidados para um congresso sobre turismo. As cidades do Porto e de Ponte de Lima  atraíram-lhes a atenção pelos seus monumentos e paisagens. Gostaram especialmente dos edifícios da Feitoria inglesa e do Solar do Conde de Calheiros.

“Pareceram-me pessoas simpáticas”, diz-nos Francisco Calheiros. “Mostraram curiosidade em conhecer aspectos da administração da minha propriedade. O facto de eu a ter aberto ao turismo de habitação interessou-os vivamente. O pai da princesa pensava, na altura, fazer o mesmo à sua mansão de Alhorp para a rentabilizar. Foi numa ilha artificial de Alhorp que Diana ficou, como se sabe, sepultada. O Conde de Spencer era uma pessoa discreta e um pouco diminuído pela doença, mas a mulher revela-se, pelo contrário exuberante”.

O Conde de Calheiros conheceu mais tarde, em Londres, Carlos e Diana com quem passou a trocar impressões sobre património e ambiente, temas caros ao príncipe herdeiro. A última deslocação deste a Portugal deu-se em 1998, para visitar a EXPO.

 

Camilla em Sintra

Tempos depois de Diana se ter estado no nosso País, Camilla Parker Bowles passou uma temporada em Sintra, numa quinta dos Reynolds, seus amigos. A visita caracterizou-se pela discrição e o recolhimento. Acompanhada pelo marido, pelos dois filhos, pela secretária e por uma cozinheira, refugiou-se na Quinta da Bela Vista, em plena serra. Foram as últimas férias com o marido, de quem se divorciou no ano seguinte. Ao contrário dele e dos filhos, que iam jogar diariamente golfe a Cascais e fazer “surf” à Caparica, Camilla não saia de casa.

“Ela gostou muito de Sintra”, diz-nos Roderick Reynolds, seu anfitrião e amigo pessoal do pai de Camilla. “A cozinheira que os acompanhou trazia uma máquina fotográfica com que fotografava tudo. Viemos a saber, mais tarde, que tinha sido principescamente paga por um jornal inglês para fotografar Carlos e Camilla, caso ele viesse cá vê-la”.

 

Recepção à imprensa

No final da sua estadia em Lisboa, Carlos e Diana deram uma recepção à imprensa que decorreu de forma amena e agradável. 

Idos, a seguir, para o Porto, os príncipes desdobraram-se ali em actos oficiais. Inauguraram, no Palácio de Cristal, uma exposição onde se encontravam 120 empresas britânicas. Uma réplica do vestido de casamento de Filipa de Lencastre com D. João I despertou as atenções de Diana, enquanto Carlos  se sentou ao volante de um “caterpiller”. 

Durante o jantar, oferecido por Cavaco Silva, o filho de Isabel II virou-se para a mulher e disse-lhe qualquer coisa que a aborreceu. Ela respondeu-lhe, segundo testemunhas, com um palavrão.

No Hotel Méridien, ocuparam uma suite de três divisões. Dormiram, como sempre, em camas separadas. Segundo o pessoal de serviço, ouviu-se durante a noite uma discussão violenta, com Diana a berrar e vidros a partirem-se. No dia seguinte, um dos espelhos tinha um buraco, provocado por um salto alto de sapato. 

A sua separação consumou-se a partir daí. O último dia foi preenchido com uma cerimónia religiosa na Sé Catedral, comemorativa do casamento, ocorrido seis séculos antes (14 de Fevereiro de 1386) de D. João I, Mestre de Avis, com a princesa inglesa Filipa de Lencastre.

Estudantes estenderam as suas capas negras entre o “Rolls Royce” e a entrada do templo. Diana comentaria, sorridente: “São encantadores”. Alguns gritavam-lhe o número de telefone, chamando-a pelo nome. Ela sorria imperturbável. Horas depois deixava Portugal – para sempre.

 

António Brás

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