
D. Manuel II nos 90 anos I O Rei de Outubro
A atracção crescente que os portugueses sentem pela história tem em D. Manuel II um aspecto angular e marcante.
Nascido em 1889, o último Rei era um filho segundo que estava destinado a uma carreira secundária na corte portuguesa.
Os progenitores, D. Carlos e D. Amélia, haviam-se casado em 1886. Os projectos e ideais do casal constituíram inicialmente uma lufada de ar fresco na corte portuguesa.
D. Carlos, jovem e artista, era a esperança nas reformas que a monarquia e Portugal ansiavam.
D. Amélia nunca esmoreceu de ajudar os mais carenciados. Era visitante assídua dos bairros mais pobres, hospitais, maternidades, hospício, etc. A nível social fundou, por exemplo, a Assistência aos Tuberculoses, os lactários e o Instituto de Socorros a Náufragos.
A morte do sogro, o Rei D. Luiz, em Outubro de 1889, marcou o início da grave crise que se abateu em crescendo sobre a monarquia portuguesa. O partido republicano passou a ganhar força, organizando manifestações, greves e uma revolução no Porto, que foi esmagada. O mau estar generalizou-se. Os governos sucederam-se. A família-real tornou-se alvo de inúmeras difamações. Em 1908, D. Manuel II e a mãe, D. Amélia, veêm serem assassinados Carlos e o herdeiro D. Luiz Filipe.
Crise final
D. Manuel II sobe ao trono numa altura particularmente perigosa. O novo monarca dissolve a ditadura de João Franco e constitui um governo de unidade nacional, como tentativa de salvar o trono. O caos instala-se.
A Rainha D. Amélia afirma que “Portugal é uma monarquia sem monárquicos”, dadas as suas divisões internas.
Abandonada por parte da nobreza, a Casa de Bragança apercebe-se que o sistema está condenado.
O Rei D. Manuel sente-se impotente para travar o declínio final da secular monarquia portuguesa.
32 meses após o regicídio é, com efeito, implantada a República. O Rei, acompanhado pela mãe, pelo tio D. Afonso e pela avó D. Maria Pia, segue para o exílio, embarcando apressadamente na Ericeira.
Longo exílio
Exilado em Inglaterra, D. Manuel II sofre e enfrenta duras dificuldades, bem como o fim da esperança do restabelecimento da monarquia.
O último soberano português casa em 1913 com Vitória Eugénia, uma princesa de origem alemã. Fixa-se definitivamente em Fulwel Park, uma enorme mansão nos arredores de Londres, decorada com móveis, quadros, pratas, cerâmicas e muitas recordações enviadas de Portugal.
D. Manuel II dedica os seus dias a viajar pela Europa, jogar ténis, conviver com a família real inglesa, especialmente o Rei Jorge V e as rainhas Mary de Teck e Alexandra, e a colecionar livros antigos portugueses do século XVI.
D. Manuel morre, inesperadamente, a 2 de Julho de 1932, aos 43 anos incompletos.
Em testamento, institui a Fundação da Casa de Bragança, com todo o património do morgadio, assim como todas as suas colecções preservadas em Inglaterra.
“A minha colecção significa e compreende todas as pratas, jóias, quadros, desenhos, estampas, estátuas, porcelanas, tapeçarias, móveis, tapetes, cristais, rendas, livros e quaisquer outros artigos de arte ou de curiosidade (…) que me pertençam à data da minha morte (…) em Portugal, Inglaterra ou noutros países”, segundo o testamento.
129 obras
Portugal apenas recebe os livros do século XVI, o segundo maior conjunto existente no mundo, bem como um reduzido conjunto de 129 obras de arte.
“Convém, no entanto, realçar a circunstância de ter chegado a Vila Viçosa, vindo de Londres, apenas uma peça em metal precioso (…). Não chegaram também nenhum desenho ou estampa, tapeçaria ou tapetes, nem cristal ou renda”, escreve Maria de Jesus Monge, actual directora do Pao Ducal de Vila Viçosa.
A Fundação da Casa de Bragança faz um grane empréstimo. Esse capital é investido no pagamento das dívidas do monarca, no pagamento do usufruto de D. Augusta Vitória e D. Amélia e nas obras no Paço Ducal.
A viúva de D. Manuel II transfere as colecções do marido para a Alemanha, onde edifica uma casa. Ao morrer, em 1963, lega tudo a um sobrinho que guarda esses bens no Castelo de Sigmarigen.
Em 1988 é proposta a venda da biblioteca de D. Manuel II, constituída por literatura dos séculos XIX e XIX, à Fundação da Casa de Bragança. A proposta é, no entanto, recusada.
O príncipe incumbe o Correio-velho, em Lisboa, de leiloar muitos milhares de livros, desenhos e aguarelas relacionados com os últimos monarcas portugueses. É um enorme êxito.
Nos anos seguintes, novos leilões são realizados em Lisboa, Londres e Genebra, onde aparece todo o recheio da casa de Londres de D. Manuel II. Um acervo de grande valor, constituído por milhares de objectos, é totalmente disperso pelo mundo.
A Fundação da Casa de Bragança adquire três quadros e, o Palácio da Ajuda compra desenhos, aguarelas, móveis, cristais e porcelanas, a Biblioteca Nacional alguns livros e o Museu do Traje algum vestuário.
As valiosas pratas e condecorações do último soberano português são leiloadas na Suíça. O estado português fica totalmente indiferente, apesar do valor histórico desse conjunto.
D. Manuel II, o Rei-de-Outubro, dado ter sido destronado naquele mês, ficará também conhecido como o Rei-Patriota ou o Rei-Saudade, dado nunca ter esquecido Portugal.
António Brás