
O reinado Manuelino I Da aventura à glória.
O Rei D. Manuel I, um dos melhores monarcas portugueses de todos os tempos, recebeu, por isso, a legenda histórica de O Venturoso.
Actualmente, o Museu Nacional de Arte Antiga apresenta uma grande exposição dedicada ao monarca D. Manuel I.
Ao longo do seu reinado revelou uma coragem e uma audácia que se tornariam essenciais para a gesta dos Descobrimentos, ao mesmo tempo que consolidava com Castela uma diplomacia que permitiu afastar a sua ingerência na política nacional.
Por outro lado, revelou-se um dirigente decidido, frequentemente implacável na defesa da estabilidade da vida do País.
O reinado Manuelino foi marcado pela descoberta dos caminhos marítimos para a India e Brasil, o que trouxe incalculáveis riquezas para Portugal.
A culinária portuguesa alterou-se profundamente com as especiarias, as artes foram totalmente alteradas com novas modas vindas do oriente, a prata e o ouro invadiram o quotidiano.
Da Europa passaram a chegar obras de arte que alteraram com sumptuosidade o interior das casas e igrejas.
O próprio vestuário modificou-se com grande requinte, dada a importação de tecidos.
A nível político e militar passamos de uma pequena nação a uma grande potência global com modificações políticas, sociais e militares.
A edificação de inúmeros monumentos, caso do Mosteiro dos Jerónimos, marcou para sempre a nossa arte e realidade.
D. Manuel I, beneficiou profundamente, no entanto, do trabalho e legado de D. João II, o Príncipe-Perfeito.
Príncipe Perfeito D. João II, o chamado Príncipe-Perfeito, nasceu em Lisboa em 1455, filho dos Reis D. Afonso V e D.
Isabel. Enquanto príncipe herdeiro participou, em 1471, na conquista de Arzila, o que lhe valeu, seguindo a tradição da casa-real, ser armado cavaleiro. Após 1415, ano da conquista de Ceuta, todos os príncipes tinham, com efeito, obtido as suas esporas no norte de África.
Para comemorar as façanhas contra os mouros, o pai mandou executar cinco tapeçarias, segundo desenhos de Nuno Gonçalves, que representam o cerco, o desembarque, o assalto e a entrada dos portugueses em Tânger, sem quaisquer resistências. Essas obras-primas encontram-se em Espanha, guardando-se entre nós réplicas confeccionadas entre 1936 e 1949 no Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães.
Conselheiro especial
Ao regressar do Magreb D. Afonso V torna o filho um “conselheiro especial”, o que lhe permite exercer influências determinantes na política de então.
A irmã, D. Joana, uma das mais belas e ricas princesas da Europa, resolve entrar na vida religiosa. Recolhe-se ao Convento de Jesus, de Aveiro, onde morre em 1490, em odor de santidade. Acabará por ser beatificada em 1693 pelo Papa Inocêncio XII.
D. João casou em 1471 com a princesa D. Leonor.
D. Manuel interessou-se cada vez mais pela construção naval, pela expansão territorial ao longo de África e pelo seu poder pessoal.
Problemas agravados levam, entretanto, Portugal a travar a Batalha de Toro. Nela as tropas nacionais enfrentam as forças militares de D. Fernando de Aragão. Indecisa em termos bélicos, a peleja permite que cada facção se proclame vencedora. Afirmando ter derrotado os portugueses, os castelhanos consideram-se mesmo vingados do estrondoso fracasso de Aljubarrota.
D. João não consegue tomar a coroa castelhana, como ambicionava, por o Conselho Real o haver pressionado a voltar ao reino.
Enquanto isso, D. Afonso V parte para França a fim de negociar apoios às pretensões de Portugal sobre Castela e Aragão. Porém, o Rei Luís XI, daquele país, não o apoia.
Regência crispada
A regência de D. João II viu-se marcada por graves dificuldades económicas, incursões militares infelizes e enfraquecimento do País. O príncipe herdeiro consegue, no entanto, defender o Alentejo, reconquistar a Vila de Alegrete e proteger Évora dos castelhanos. Pacientemente, convence o progenitor, que regressa a Lisboa em 1477, a assinar a paz com Castela.
Dois anos depois, a 4 de Setembro, é rubricado o Tratado de Alcáçovas onde se proclama «a paz eterna» entre os dois estados. Em troca, o monarca português renuncia ao título de Rei de Castela e Leão, e Isabel e Fernando desistem de ser chamados Reis de Portugal.
O domínio da Guiné, desde o Cabo Bojador até as Índias (com as ilhas da Madeira, Cabo Verde e Açores, além do domínio do reino de Fez) passam a pertencer a Portugal, que cede Granada e as Canárias a Castela.
Acordou-se, entretanto, que o jovem infante D. Afonso (filho único de D. João II) devia desposar a infanta Isabel, filha dos Reis Católicos.
A laboriosa conciliação deveu-se, por inteiro e por mérito, a D. João. Deste modo, Portugal obteria o reconhecimento do seu futuro império colonial.
D. Afonso retira-se
Desiludido, envelhecido, D. Afonso V começa a passar largas temporadas no convento franciscano do Varatojo, nas vizinhanças de Torres Vedras, onde vive discretamente. Dessas estadias resta uma (magnífica) cadeira de braços gótica em madeira de carvalho, um dos mais antigos móveis portugueses que se encontra no Museu de Arte Antiga, em Lisboa.
D. João II reforça, como consequência, o seu poder. A corte do pai perde lentamente a influência. O primeiro a perceber a mudança foi D. Jorge da Costa, Cardeal de Alpedrinha, que se refugia em Roma.
Outra personalidade a afastar-se é Lopo Vaz de Castelo Branco, alcaide da vila fronteiriça de Moura, que passa para o lado dos castelhanos. A traição levará o príncipe a mandá-lo assassinar.
Em 1481, revela-se pleno de acontecimentos. D. João, pai de um filho bastardo, D. Jorge, entrega o bebé aos cuidados da infanta D. Joana, a qual desculpa a atitude do irmão dizendo que a cunhada não podia ter mais filhos. A criança é educada de forma carinhosa pela tia.
O Rei resolve, finalmente, abdicar e acolher-se ao Convento como simples monge. Convoca as cortes de Estremoz para renunciar oficialmente ao trono.
Antes de se retirar, o cansado monarca parte para Sintra. Ao chegar à vila adoece, e morre a 28 de Agosto de 1481. Agonizante, dá muitos conselhos ao filho, pedindo-lhe, sobretudo, para reformar a justiça do reino.
Não se mostrava triste. Ao longo de 49 anos conhecera o amor, a glória, o poder, os privilégios, a guerra, coisas que tinham passado e o haviam apaziguado.
O funeral realizou-se com grande pompa para o Mosteiro da Batalha, onde repousa ao lado da mulher, falecida em 1455.
D. João II, Rei
O novo rei é aclamado na própria vila de Sintra, no meio de sumptuosas cerimónias realizadas em frente do palácio. Tem 26 anos e pretende reformular totalmente a política e a administração, completamente descontroladas, já que os fidalgos intrometem-se nos tribunais, os alcaides dos castelos abusam do poder e as queixas do povo contra nobreza não são, há muito, ouvidas.
As cortes foram imediatamente convocadas para Évora, tendo início a 12 de Novembro de 1481. No dia anterior, os nobres prestaram vassalagem e os concelhos juraram obediência ao Rei.
O Duque de Bragança e os seus irmãos não concordaram em ajoelhar-se perante D. João II. Foi o primeiro indício de uma oposição séria ao novo monarca.
No decorrer das sessões, os representantes do povo apresentaram todo o tipo de queixas e reclamações. Pediram, por exemplo, para os nobres não exercerem ingerências nos tribunais nem nomearem notários próprios; e para que ninguém fosse compelido a trabalhar de graça. D. João, que se pôs do lado do povo, retirou de imediato inúmeros privilégios aos aristocratas.
A conspiração para o afastar do trono, com o apoio de Castela, incendiou-se então. Informado dela, o jovem soberano apunhalou pessoalmente (segundo a tradição) os duques de Bragança e de Viseu, este último irmão da rainha.
Mandou, a seguir, chamar D. Manuel, irmão do assassinado Duque de Viseu, comunicando-lhe que seria o herdeiro de todos os bens da família, bem como da herança de D. Henrique, seu tio-avô. E que, caso não viesse a ter herdeiros, o trono pertencer-lhe-ia.
O descontentamento da igreja faz-se, por sua vez, sentir. O Bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, afirmava mesmo que D. João “havia de ter mau fim”, chamando-o “Rei dos Mercadores e dos Onzeneiros”. O monarca mandou, como resposta, encerrá-lo numa cisterna do Castelo de Palmela, onde lhe levavam diariamente comida da cozinha real. Um dia, o prelado acabou por aparecer morto … com um livro na mão.
Outro nobre, D. Guterres, viu-se aprisionado na Torre do Castelo de Avis onde morreu. D. Fernando de Avis, irmão do bispo de Évora, Pêro de Albuquerque e D. Pedro de Athayde foram igualmente condenados.
Opositores como Fernão da Silveira conseguem fugir para Castela e França, onde insultam D. João. Perseguido, Fernão da Silveira acaba assassinado em Avinhão.
O Conde de Penamacor refugia-se em Inglaterra.
Portugal pede a sua extradição, mas o rei inglês, Eduardo IV, recusa-a mas prende-o na Torre de Londres.
Reino pacificado.
Com a situação pacificada, D. João resolve intensificar e controlar a expansão comercial (até aí entregue a particulares) da costa de África.
A construção da Fortaleza de São Jorge da Mina é um dos primeiros, e mas importantes, passos nessa nova postura.
Decidido a continuar a política do Infante D. Henrique, o Rei resolve ter uma actuação pacífica com as populações indígenas.
O Castelo da Mina revelou-se, entretanto, uma fonte de receitas de ouro, preciosa para a coroa portuguesa. Os seus rendimentos constituíram um meio decisivo para se chegar à Índia.
Apoio de D. Leonor
O apoio da Rainha D. Leonor foi constante. Ela permitiu que, após a morte da Princesa Santa Joana, o filho bastardo do marido, D. Afonso, fosse educado na corte.
A ajuda aos mais pobres revelou-se-lhe uma preocupação constante, fundando o Hospital das Caldas da Rainha e criando as misericórdias - a primeira, lançada quando Vasco da Gama zarpou do Tejo, foi a de Lisboa.
As preocupações culturais da corte reflectiram o Renascimento entre nós. D. Leonor, que possuía uma biblioteca própria, acompanhava a arte da impressão e impulsionava o ofício da iluminura.
Custeou, aliás, a esplendida edição portuguesa da Vita Christi, e protegeu Gil Vicente. Fundou o Convento da Madre de Deus, em Lisboa, e patrocinou a construção das capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha, deixando-nos ficar notáveis obras de arte como um relicário (em ouro, esmaltes, esmeraldas e rubis) preservado no Museu de Arte Antiga.
D. João, que se correspondia com o erudito Poliziano, pediu aos Medicis (senhores da cidade de Florença) que lhe enviassem o escultor Sansovino. Em Itália, encomendou uma magnífica bíblia iluminada (hoje na Torre do Tombo) e pediu a Leonardo Da Vinci desenhos para tapeçarias a serem executadas em Flandres.
O príncipe D. Afonso, herdeiro do trono, casa com a infanta D. Isabel de Castela, numa faustosa cerimónia ocorrida em Évora.
A desgraça abate-se, entretanto, sobre a família real: o príncipe herdeiro morre em 1491 num acidente de cavalo, em Almeirim.
O filho bastardo D. Jorge vê-se investido (num claro sinal de que o Rei se prepara para o tornar herdeiro do trono) no comando supremo das ordens de Avis e de Santiago.
Anos do fim
Os últimos anos do reinado de D. João são, a nível político, brilhantes; mas a nível pessoal, penosos.
Autoriza a vinda dos judeus expulsos por Isabel e Fernando de Castela e Aragão. Muitos eram figuras cimeiras nos negócios, na astrologia, na medicina, etc.
A expansão territorial continua com grandes perspectivas. África fora percorrida desde a Costa do Ouro até ao Cabo da Boa Esperança. A ilha de São Tomé encontrava-se colonizada e cultivada, intensos trabalhos (sociais e missionários) decorriam no Congo. Pêro da Covilhã seguira para a Índia. Colombo, a quem D. João II recusara apoios, descobre a América ao serviço dos reis de Castela e Aragão. Bartolomeu Dias entra no Índico.
Para evitar novos conflitos, é assinado, após longas negociações, o Tratado de Tordesilhas, onde o mundo é dividido entre os dois reinos ibéricos.
Chegada à Índia
Quando falece, o Rei deixa bastante avançados os preparativos para a descoberta dos caminhos marítimos para Índia e Brasil.
Os últimos meses são-lhe, em termos de saúde, especialmente penosos. Parte para o Algarve, onde espera encontrar um lenitivo para os seus padecimentos. No caminho perde o anel de sinete com a sua divisa “Justus Sicut Palma Florebit”. A jóia, em prata dourada e cornalina, será descoberto por um agricultor no século XIX, acabando por ser legada ao Museu de Arte Antiga em 1981. Encontra -se exposta no sector de joalharia.
D. João II acaba por fixar-se em Monchique, onde conferencia - tentando proteger o futuro do filho D. Jorge - com D. Manuel.
Doente, faz diversos tratamentos nas termas locais. O seu estado de saúde agrava-se, no entanto, irreversivelmente. Morre a 25 de Outubro de 1495, em Alvor. Mais tarde é trasladado para o Mosteiro da Batalha.
O Cardeal de Alpedrinha, favorito de D. Afonso V, a viver em Roma, comentará ao saber do infausto acontecimento: “Desapareceu o melhor rei do mundo, filho do melhor dos homens”.
A Rainha Isabel de Castela resume, por sua vez, em duas palavras, a impressão geral. “Morreu o
HOMEM”.
A grande derrota de D. João II revelar-se-à ao ser obrigado a declarar D. Manuel herdeiro do trono. Fê-lo para evitar uma guerra civil, após a sua morte, já que o filho, D. Jorge, não reunia condições para tomar conta do reino.
António Brás