
Património I Um Paraíso para ladrões de Arte
![]() Imagem de Nossa Senhora de Belém desparecida dos Jerónimos | ![]() Tesouro de Nossa de Oliveira sonegado em Guimarães | ![]() Castão de bengala roubado em 2002 |
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![]() Pormenor dos diamantes do castão de bengala |
O roubo, em pleno dia, dos célebres quadros “O Grito” e “Madona” de Munch, ocorrido num museu de Oslo, na Noruega, veio chamar a atenção para a segurança do património cultural português.
Segundo alguns especialistas, o nosso País é um autêntico paraíso para os ladrões de obras de arte. Pinturas, esculturas, móveis, porcelanas, jóias, marfins e pratas são particularmente apreciados devido à sua elevada qualidade e feitura. Museus, palácios, igrejas são regularmente despojados de peças únicas. No ano passado foram comunicados, por exemplo, à Policia Judiciária os roubos de nove peças dos museus.
As fundações Gulbenkian e de Serralves e Direcção-Geral do Património Cultural que tutela 29 museus, têm vindo a investir em modernos sistemas de protecção e de vigilância - guardas, alarmes e câmaras de vídeo a funcionar 24 horas por dia.
O critério para o empréstimo de obras de arte ao estrangeiro foi, por sua vez, totalmente revisto após o roubo de seis jóias da casa real portuguesa do Museu de História Natural de Haia, na Holanda.
Actualmente existem restrições relativas à circulação de 1200 obras das nossas colecções mais valiosas e frágeis. Entre elas destacam-se o quadro São Pedro de Grão Vasco, do Museu de Viseu, o tríptico Tentações de Santo Antão, Os Painéis de São Vicente e a Custódia de Belém todas do Museu de Arte Antiga, de Lisboa. Recorde-se que a última destas peças chegou a ser transportada, em 1950, na última viagem de avião que fez (para a mostra Arte Portuguesa – 800/1800, em Londres), ao colo do historiador Reynaldo dos Santos.
“A colecção Gulbenkian tem obras que jamais sairão de Lisboa, caso da estátua Diana, de Hondon, e do retrato de Madame Claude Monet, de Renoir”, especifica-nos, a propósito, João Castel-Branco, ex-director do museu daquela fundação. “As pinturas sobre madeira, os têxteis e os manuscritos”, exemplifica, “merecem-nos também grande cuidado, dado serem extremamente delicados”.
Um século de delapidações
Outras peças como o Loudel de D. João I e o Tríptico Comemorativo da Batalha de Aljubarrota, nunca abandonam o Museu Alberto Sampaio, de Guimarães, a que pertencem. Note-se que neste mesmo espaço ocorreu em 1975 o desaparecimento do valioso tesouro de Nossa Senhora da Oliveira. “Foi um grande atentado à nossa cultura”, refere-nos Isabel Maria Fernandes, responsável pelo centro cultural. Os assaltantes atacaram, em pleno dia, o guarda (tal como agora ocorreu em Oslo) e levaram uma coroa, uma meada com 32 metros, um cordão, um grilhão e uma cruz indiana, tudo em ouro, além de um peitoral em prata, dos séculos XVII e XVIII.
As jóias foram, segundo a Policia Judiciária, derretidas. Os responsáveis pelo roubo, um ex-tenente do Exército e uma ex-secretária de um partido político, refugiaram-se no Brasil. Ambos seriam condenados à revelia a, respectivamente, 20 e 15 anos de cadeia, e ao pagamento de um milhão de contos ao Estado português – que, diga-se, não cumpriram.
“Os roubos estão a crescer entre nós, atingem verbas consideráveis, revela-nos um agente da Polícia Judiciária que pede anonimato. “A falta de meios técnicos e humanos não permitem grandes investigações nem, por causa disso, grandes resultados”.
Duros golpes
O Museu da Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, sofreu em 1986 um duro golpe. Numa noite os ladrões levaram a colecção de numismática romana avaliada, na época, em dez mil contos. Pouco depois desapareceu uma imagem indo-portuguesa em marfim representando o Menino Jesus. Feitas as respectivas participações à polícia, não houve quaisquer resultados até agora.
Outros golpes sofreram, igualmente, o Paço Ducal de Vila Viçosa (vandalização, em 1980, de todos os seus mantos reais bordados a ouro), o Museu de Arte Sacra de Viseu (despojada, em 1981, de uma rara cruz bizantina do século XII), a Casa Museu José Relvas (desvio, em 1988, de relógios de Limoges e de porcelanas da Companhia), o Centro Cultural de Belém (roubos em 1992 e 2004 de, respectivamente, quadros de Graça Morais e Júlio Pomar), o Museu do Teatro (sonegação de jóias de cena, em 1994, usadas por grandes actores portugueses), o Museu Amadeo de Souza Cardoso (desvio, em 1995, de uma tela de Amadeo), e a Igreja dos Jerónimos (furto, em 1997, da imagem de Nossa Senhora de Belém a quem Vasco da Gama orou antes de partir para a Índia). Dos jardins dos palácios de Queluz e de Monserrate têm desaparecido diversas estátuas em pedra.
O palácio da Ajuda acabou por sofrer, em Dezembro de 2002, a maior delapidação do nosso património, com o desaparecimento, na Holanda, de jóias reais que guardava. Com efeito, na noite de 2 de Dezembro os larápios arrombaram uma janela do Museu de História Natural de Haia onde elas se encontravam expostas. “Eram das peças mais valiosas do nosso património”, frisa-nos Luís Castelo Lopes, especialista em joalharia da leiloeira Artbid.
O espólio furtado, com um seguro de seis milhões de euros, integrava uma mostra internacional sobre a história do diamante.
Das jóias desaparecidas, as mais importantes eram um castão de bengala e um diamante em bruto. O primeiro, em ouro cinzelado, estava cravejado com 87 diamantes, pesando o principal 24 quilates. Fora executado para o Rei D. José, entre 1759 e 1770, por um ourives parisiense; o segundo, um diamante proveniente das minas brasileiras (de 135 quilates) era um dos maiores do mundo. As restantes peças desaparecidas incluíam uma gargantilha com 32 brilhantes (de 15 quilates), um anel com um diamante (de 37 quilates) e dois alfinetes (de 43 quilates) em forma de trevo.
Passados praticamente dois anos, nem as polícias portuguesas nem as holandesas têm quaisquer pistas sobre as peças.
“Habitualmente as jóias furtadas nunca aparecem pois acabam por ser lapidadas, desmanchadas, fundidas ou vendidas clandestinamente” específica Luís Castelo Lopes.
“A itinerância faz aumentar os perigos dos roubos, além disso os tesouros nacionais não devem viajar. As pessoas é que devem deslocar-se aos países onde eles se encontram para os ver”, frisa a historiadora Raquel Henriques da Silva.
Comenta-se, no mercado de arte, que na Alemanha existe uma colecção obtida exclusivamente através de roubos – o que explicará muitos dos desaparecimentos verificados.
António Brás